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Caça às bruxas è ficção

Para governar sem fantasmas, Lula terá de engolir o Centrão

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Mathuzalém Júnior* - Foto Antônio Cruz

Reeleito presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PDS-MG), novo aliado de Luiz Inácio, representa a confiança perdida no Congresso Nacional. A vitória sobre Rogério Marinho (PL-RN), apadrinhado de Jair Messias, tem um outro significado político bem mais relevante. Embora tenha eleito uma bancada representativa de senadores, o Partido das Lágrimas (PL) não terá maioria na Casa, o que quer dizer que a proposta tóxica de ofensiva bolsonarista contra o governo de Lula está definitivamente arquivada. Como a matemática não falha e os números são inquestionáveis, Lula da Silva mais uma vez contribuiu para ampliar o raio de ação do inferno astral de Bolsonaro. Em 90 dias, o novo presidente venceu o ex pela terceira vez. Nas urnas, no golpismo do dia 8 de janeiro e agora, com aliados comandando o Legislativo.

Como a vida não é feita somente de vitórias, o deputado Arthur Lira (PP-AL) foi reeleito presidente da Câmara com recorde de votos. Nada contra o parlamentar, muito menos contra seus 464 votos. A preocupação é com os princípios, com a ideia de ocupação de espaço somente pela necessidade de mostrar poder e, sobretudo, pela forma como a enxurrada de votos pode ser transformada em futuras barganhas políticas. Digo isto porque não há como negar que Lira é discípulo de Eduardo Cunha (MDB-RJ) e criador do Centrão. E o que é o Centrão? Um grupo clientelista, sem orientação ideológica, mas com enorme sede de poder e de privilégios do Executivo.

Podemos dizer que as vitórias de Rodrigo Pacheco e de Arthur Lira são sinônimos de manutenção do fisiologismo? Claro que sim. No entanto, melhor do que a personalização dos interesses parlamentares é o fim da satanização de Jair Bolsonaro sobre o Congresso brasileiro e, por extensão, sobre o país. Apesar do orgulho de Valdemar Costa Neto com a “força” do Partido das Lágrimas, é mais uma derrota para o vanguardismo da esquerda. Como disse o presidente reeleito do Senado, é chegada a hora da pacificação, “o que não significa se calar diante de atos golpistas”. A síntese do longo primeiro dia de fevereiro é o início, de fato e de direito, do governo Lula.

Obviamente que o atual Congresso é ainda mais conservador do que o anterior, o que exigirá do Palácio do Planalto mais negociação. Nada que Luiz Inácio não saiba ensinar. O fato é que a sociedade espera que os novos deputados e senadores – alguns já bem escolados – sejam apresentados com a necessária rapidez à lista de prioridades do povo brasileiro. Além de uma urgente pauta ambiental, na qual se incluem a situação das florestas e dos Yanomami, há a expectativa de que também comecem a ser discutidas a reforma tributária, questões sociais, a flexibilização dos fundos patrimoniais e a tal âncora fiscal, em substituição ao teto de gastos.

São temas palpitantes e fundamentais. Todavia, o que mais tem chamado a atenção dos eleitores, particularmente dos 60,3 milhões que optaram pelo fim do bolsonarismo, é o “revogaço” de Lula sobre decretos de Jair Messias que já eram alvo do Senado. Do meu catre avermelhado, espero para breve ser convidado para o Chá Revelação de todos os sigilos de 100 anos decretados ilegalmente por Bolsonaro, aquele que foi sem nunca ter sido. O evento ocorrerá a qualquer momento. Talvez nos próximos 30 dias e em rede nacional.

São as voltas que o mundo dá. O resumo da ópera é que, independentemente da premeditada fuga do mito e do forçado recolhimento dos fanatizados seres que integram a seita, os bolsonaristas raiz, os sem memória e os desmiolados não devem esperar tempo bom. O governo do presidente Luiz Inácio não está nem aí para caça às bruxas, tampouco para brincadeirinhas de caça ao rato. Entretanto, a necessidade de mostrar serviço e, sobretudo, a vontade de acertar em tudo que fizer, impõe algumas formalidades político-administrativas decisivas para a governabilidade sem fantasmas.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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