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Laços firmes

Paraguai acerta no que o Brasil insiste em ignorar

Publicado

Autor/Imagem:
João Zisman - Texto e Imagem

Viver em Foz do Iguaçu muda o jeito de olhar o Paraguai. A fronteira deixa de ser uma linha no mapa e passa a fazer parte da rotina. O país vizinho deixa de ser observado à distância, por estereótipos antigos, e passa a ser percebido no dia a dia, no comércio, no trabalho, nas conversas e na circulação constante de pessoas e mercadorias.

Depois de pouco mais de um ano vivendo na cidade, tornou-se impossível não perceber algo que contraria o senso comum brasileiro: o Paraguai funciona melhor do que a imagem que construímos dele.

Não falo de riqueza. Falo de funcionamento, e sobre o Paraguai real, visto sob a ótica do Paraná.

Do lado paraguaio da fronteira, o que se vê é um comércio intenso, organizado e permanente. Não é improviso nem exceção de feriado. É rotina. Ciudad del Este pulsa todos os dias, sustentada por logística, serviços e giro constante de mercadorias.

No campo, o agro é moderno, mecanizado e eficiente. A ideia de um Paraguai agrícola atrasado já não corresponde à realidade. Há tecnologia, investimento e integração com cadeias produtivas internacionais.

E há emprego. Emprego para paraguaios e para brasileiros. A circulação de mão de obra acontece nos dois sentidos. Brasileiros trabalham em empresas paraguaias, paraguaios encontram oportunidades do lado brasileiro. Esse fluxo só existe onde há atividade econômica consistente.

Foi esse cotidiano que me levou a olhar o Paraguai com mais atenção. Não por curiosidade teórica, mas por vivência concreta.

Como um país que promete pouco, talvez o maior acerto do Paraguai tenha sido entender seus próprios limites.

O Estado paraguaio não promete tudo à sua população. Não promete resolver todos os problemas. Não promete ser grande, protetor ou onipresente.

Promete algo mais simples e, por isso mesmo, mais fácil de cumprir: regras claras, estabilidade e previsibilidade.

O paraguaio médio vive com menos serviços públicos do que o brasileiro, é verdade. Mas também vive com menos sobressaltos econômicos. Menos mudanças repentinas de regra. Menos sensação de que o amanhã será sempre mais caro e mais incerto.

Não se trata de um modelo idealizado, mas coerente. Até porque, há um sistema tributário que não confunde a vida.

Essa lógica aparece de forma muito clara na maneira como o Paraguai cobra impostos.

O sistema é simples o suficiente para ser entendido por quem trabalha, empreende e consome no dia a dia. As alíquotas são poucas, conhecidas e estáveis.

As empresas pagam imposto sobre o lucro à alíquota de 10%. Não há uma coleção de adicionais, contribuições paralelas ou taxas escondidas no caminho. Calcula-se o lucro, aplica-se o percentual e a conta fecha.

A pessoa física também está sujeita ao imposto de renda, com alíquota máxima de 10%, aplicada apenas a quem ultrapassa determinado patamar anual. Não existe aquela sensação de que, quanto mais se trabalha, mais o Estado leva.

No consumo, o país adota um IVA de 10%, com alíquota reduzida de 5% para alguns produtos e serviços. Não há imposto em cascata nem sobreposição de tributos. O preço que aparece na prateleira é, em grande medida, o preço real.

Lucros e dividendos distribuídos aos sócios são tributados à parte, em geral na faixa de 8%, o que reforça que o Paraguai não é um paraíso fiscal, mas um sistema transparente e previsível.

Essa simplicidade não é detalhe técnico. Ela se reflete diretamente no comércio ativo, na facilidade de empreender e na capacidade de planejar o futuro sem medo de surpresas.

O Paraná e o Paraguai têm uma relação que amadureceu. E esse debate não é distante para o Paraná. Muito pelo contrário.

O Paraguai se consolidou, nos últimos anos, como parceiro comercial relevante do estado. A relação deixou de ser apenas fronteiriça e passou a envolver exportações, importações, logística, energia, insumos industriais e agropecuários.

Empresas paranaenses encontraram no Paraguai um ambiente mais previsível para investir e produzir. O Paraná, por sua vez, segue sendo porta de entrada, rota logística e parceiro estratégico nessa integração.

Foz do Iguaçu, nesse contexto, não é periferia. É laboratório. É onde se observa, na prática, como dois modelos econômicos convivem lado a lado, dialogam e se complementam.

Construiu um Estado que promete muito. Promete saúde, educação, proteção social ampla, benefícios e soluções para quase tudo. O problema não está na intenção, mas na conta e na forma de cobrá-la.

Para sustentar esse modelo, criou-se um sistema tributário pesado, complexo e difícil de explicar. Quem produz paga muito. Quem consome paga sem perceber. E, mesmo assim, a sensação geral é de frustração.

Enquanto o Paraguai optou por simplicidade e limite, o Brasil optou por complexidade e exceções. Um sistema que poucos entendem, muitos criticam e quase ninguém confia.

Mas, o que deu certo no Paraguai e pode ser aplicado no Brasil? O Paraguai não é um modelo a ser copiado integralmente. Mas é um exemplo que merece ser observado com menos preconceito e mais atenção.

Ele mostra que prometer menos ajuda a cumprir mais. Que regras claras atraem investimento. Que simplicidade tributária gera atividade econômica real. E que previsibilidade beneficia, sobretudo, quem tem menos margem para errar.

O Brasil não precisa virar o Paraguai. Mas precisa aprender que nenhum país funciona bem quando promete demais, muda regras o tempo todo e transforma o imposto em um labirinto.

Talvez o maior erro seja continuar olhando o Paraguai com desdém. O maior acerto seria olhar com maturidade.

Porque, no fim, países que prometem pouco costumam frustrar menos. E isso, nos tempos atuais, já é uma grande virtude.

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João Zisman, jornalista, economista, com pós-graduação em Ciências Políticas e Gestão Pública

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