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Parcelamento de terreno com templo evangélico no Plano cria a Assembléia do Diabo

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Marta Nobre e Bartô Granja

Brasília é uma cidade tombada pela Unesco, é Patrimônio Cultural da Humanidade. Mas, e daí? Quem deve se incomodar não faz nada, como deve reagir a sociedade? A história é dolorosa, mas verdadeira. E quem pensa que o Distrito Federal está sendo grilado ou parcelado à margem da lei apenas em sua periferia, está muito enganado.

Para se ter uma ideia do que vem acontecendo, é bom lembrar que o termo “grilagem” se refere ao ato ilícito cometido por um particular ao fracionar terra pública que não lhe pertence; já o “parcelamento irregular do solo” se refere ao ato de promover fracionamento de terreno sem atendimento da legislação, em especial a Lei Federal nº. 6766/79, mesmo na condição de legítimo proprietário.

O que você vai ler a seguir é verídico. Está tudo documentado. E prova mais uma vez que a Agefis – Agência de Fiscalização do Distrito Federal, só funciona na hora de derrubar barracos de sem-teto ou promover shows de pirotecnia nas margens do Lago Paranoá.

No dia 12 de novembro de 2015, a Administração Regional de Brasília emitiu a Carta de Habite-se em Separado nº. 031/2015 para um empreendimento da Soltec Engenharia Ltda. Quem passa em frente ao lote “D” da 910 Norte pode adquirir à luz do dia uma das 150 quitinetes, agora chamadas de “Studio”, desde que não se incomode em morar nos fundos de uma igreja evangélica.

A igreja e a construtora se tornaram coproprietárias do mesmo terreno cuja escritura comprova 50% dos direitos sobre o imóvel para cada uma delas. Até aí tudo normal, não fosse o fato de que as proprietárias resolveram dividir o terreno.

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Os problemas começaram na hora do Habite-se. Em 26 de outubro daquele ano, fiscais da Agefis negaram a emissão do Habite-se alegando principalmente que “Consta no Alvará de Construção nº. 10/2012, a Soltec como sendo a proprietária do lote do Módulo D, porém, podemos constatar na escritura (…) que somente 50% do lote foi vendido à Sotec, os outros 50% continuam pertencendo à Igreja Evangélica Assembleia de Deus de Brasília. Embora haja um percentual definido para cada proprietário na escritura, o lote não é fisicamente divisível e não deve haver delimitação das partes em comum”.

Os fiscais ainda indicaram que “há indícios de conflito entre o uso permitido (…) e o projeto de arquitetura aprovado (…) cujas edificações possuem características de uso comercial de bens e serviços. Existe parecer técnico da CAP/SEGETH de 08/07/2015 (…) que indefere a solicitação do interessado para carta de habite-se”. “Todos os banheiros das unidades possuem espaço para box, contrariando o disposto no artigo 193 do decreto 19.195/98, que permite no máximo um vaso sanitário e um lavatório, para as aprovadas “salas comerciais”.

Ao longo do Processo, diversos outros expedientes dão conta do desvirtuamento do uso do terreno para uso residencial (studios).

A igreja, por sua vez, não possuía habite-se, não foi construída em conformidade com o projeto aprovado, não foi locada corretamente no terreno, sendo edificação antiga e irregular e tendo iniciado reforma recentemente, cujo projeto não integra os últimos projetos aprovados.

Diante disso, o engenheiro da obra à época explicou que a empresa Soltec era proprietária dos blocos que estavam em construção, mas não era proprietária do terreno (???), sendo as demais edificações dentro do lote de propriedade da igreja.

Meu e seu, seu e meu – Coisa esquisita, essa. Os fiscais grifaram: “Salientamos que durante a vistoria foi solicitado pela construtora que não vistoriássemos a igreja, edificação sem possibilidade de atendimento do projeto aprovado e da legislação”.

Na prática, a Soltec comprou 50% da escritura de um lote inicialmente destinado a instituições, depois aprovou um projeto para salas comerciais e no fim conseguiu Carta de Habite-se que lhe permitiu vender quitinetes, ou melhor, studios.

Durante a tramitação do problema de um órgão para outro dentro do Governo de Brasília, a Central de Aprovação de Projetos – CAP, sentindo o cheiro de suposta mutreta, resumiu tudo em um despacho de 8 de julho de 2015: “Ante o disposto, sugiro indeferimento da solicitação realizada através do requerimento (…), bem como todas as solicitações realizadas posteriormente a título de cumprimento de exigências”. Ou seja, tirem essa batata quente da nossa mão.

Mas o que está acontecendo em Brasília quando os interesses de construtoras não encontram guarida nas Administrações Regionais, na Segeth e em outros órgãos? A sugestão é que se encaminhe o problema para a Agefis, que a Agefis resolve.

Em resposta ao Requerimento nº. 2456/2015, onde a Soltec pede reconsideração das exigências listadas pelos fiscais durante diversas vistorias para habite-se, a Agefis sistematicamente desqualifica cada uma das irregularidades apontadas pelos seus próprios funcionários de campo. Todos os problemas verificados na obra da Soltec foram redirecionados para a obra insanável da igreja. Afinal de contas, o que é de todos termina não sendo de ninguém.

Fez-se tamanha vista grossa na avaliação do problema que a Agefis declarou que “é possível inferir que a Segeth reaprovou o projeto”. Ou seja, durante a análise objetiva de um problema que envolve possível dano ao patrimônio cultural da humanidade, a Agefis simplesmente presumiu que o projeto tivesse sido reaprovado por outro órgão. É o tipo de coisa em que não se dá para acreditar, por mais verdadeiro que seja o assunto.

A tal reconsideração concluiu também que a ocupação de área pública não era problema, “não impedindo, nessa situação, a emissão de Carta de Habite-se em Separado”

Cheiro de jeitinho – Em mais uma demonstração de cinismo, após destacar seus próprios técnicos para elaborarem pareceres favoráveis ao projeto arquitetônico com respeito à acessibilidade, falta de vagas para visitantes e deficientes, falta de acessibilidade em todos os banheiros das unidades, uso do imóvel contrariando o tombamento de Brasília, e ao inexplicável desmembramento prático do imóvel, a Agência conclui desta forma sua análise no Ofício nº. 012/2015/SUFISO: “(…) considerando também que o Relatório de Vistoria de Habite-se verifica apenas a adequação da edificação ao projeto visado ou aprovado, não entrando no mérito da aprovação do projeto (…), bem como o Relatório de Ação Fiscal anexo que declara que a obra atende às normas de acessibilidade, informamos que, em relação ao que foi analisado, esta autarquia não se opõe, no momento, à emissão da Carta de Habite-se em separado”.

Tudo ocorreu com base na base na famigerada decisão de Bruna Pinheiro, presidente da Agefis, de proibir a avaliação de projetos durante vistorias de Habite-se. Ou seja, durante a vistoria de Habite-se nenhum fiscal pode questionar se os projetos foram corretamente aprovados ou não. Mas, como sugere o caso, se as construtoras precisarem, a Agência disponibiliza técnicos internos para validar inconsistências em projetos arquitetônicos – dois pesos, duas medidas.

O resumo da ópera (ou do culto), segundo avaliação de profissionais do setor, é que a Agefis encontrou solução para o problema para os parcelamentos ilegais de terras no Distrito Federal. Basta um grupo de pessoas comprarem um mesmo terreno juntos, depois cada um constrói o que quer e pede Habite-se em Separado.

Caramba! A essa altura, ninguém entende por que a Agefis demorou tanto para explicar essa facilidade com cheiro de jeitinho.

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