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O preço do amor

Parece que amar, hoje, exige currículo

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Autor/Imagem:
Emanuelle Nascimento - Foto Francisco Filipino

Assistindo Amores Materialistas, fiquei pensando em como o amor se tornou um campo de batalha entre o que sentimos e o que temos. Por que é tão difícil gostar, Emanuelle?

Gostar de verdade, sem contrato, sem cálculo, sem a necessidade de provar algo a ninguém?

Parece que amar, hoje, exige currículo. Quem não tem dinheiro, perde. Quem tem, desconfia. E, no meio disso tudo, o sentimento, aquele que deveria ser o centro vira coadjuvante de um roteiro que o mundo escreveu por nós.

Quando se ama e há pouco dinheiro, pouca estabilidade, pouco espaço, o amor precisa lutar para sobreviver. As contas chegam antes das flores, e a rotina corrói o encanto.

Não é falta de amor, às vezes é excesso de realidade. Mas quando se tem tudo, conforto, status, viagens, o amor, estranhamente, também se perde. Porque há quem confunda paz com tédio, e ache que amar só vale se for intenso, mesmo que destrutivo.

A verdade é que o amor tem fome, mas não sabe do que. Quer segurança e liberdade ao mesmo tempo, quer cumplicidade e novidade, quer colo e vertigem. E nós, seres confusos, tentamos equilibrar esse abismo como quem dança sobre um fio.

Existe equilíbrio? Ou será que a gente enfeita demais o que poderia ser simples?

Talvez o amor não precise ser grande, só verdadeiro. Mas o problema é que crescemos acreditando que amar é espetáculo. E, quanto maior a história, mais bonito o sofrimento.

Tem gente que se apaixona por um ideal, não por uma pessoa. Quer o amor que viu nos filmes, não o que cabe num café de fim de tarde, num olhar cansado, num silêncio confortável. E é nesse ponto que tudo desmorona. Porque o amor real não é o que promete, é o que fica. E quem ama de verdade sabe: o amor não é só sobre sentir, é sobre sustentar.

Quando o dinheiro falta, o amor é testado. Quando o dinheiro sobra, o amor é tentado. E, de algum modo, a vida parece sempre nos colocar nesses extremos, para ver o quanto de nós ainda acredita no que é invisível.

A traição, nesse cenário, é mais do que um ato, é um sintoma. Sintoma de quem busca fora o que já perdeu dentro. De quem não entende que o amor, para durar, precisa ser alimentado de presença, não de espetáculo. Mas é mais fácil culpar o outro do que encarar o próprio vazio.

O amor, hoje, é matéria de consumo. As pessoas “investem”, “apostam”, “ganham” e “perdem” como se fosse mercado. Mas amar, no fundo, é perder um pouco de controle, de orgulho, de certeza. É se entregar sabendo que pode não dar certo, mas ainda assim achar que vale tentar.

O que nos falta talvez seja humildade para amar o possível, não o perfeito. Amar o que é real, mesmo quando o real é imperfeito. Amar alguém que erra, que tem dias ruins, que muda de humor, que às vezes se cala porque isso também é vida.

O amor não precisa ser brilhante, precisa ser verdadeiro. E o verdadeiro, quase sempre, é discreto. É aquele que não aparece em fotos, mas aparece em gestos. Que não promete o para sempre, mas insiste no agora.

No fim, o amor é isso: um aprendizado que nunca termina. E talvez o erro não esteja em amar demais ou de menos, esteja em esquecer que o amor não resolve a vida, apenas a acompanha. O resto, o que a gente enfeita demais, acaba virando peso.

E, quando o amor cansa, é bom lembrar: o que dói não é o que se perdeu, é o que a gente inventou em cima dele.

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