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A aposentada e os passarinhos

Partem os sabiás, chegam os pardais, mas o velho ninho fica intocável

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Autor/Imagem:
Maria Lúcia Flores do Espírio Santo Meireles - Foto Irene Araújo

Tenho quase 70 anos, aposentada, então, tenho tempo para admirar, venerar e observar a natureza. Moro em uma mini chácara, no centro da cidade, onde os passarinho de todos os tipos fazem a festa. Até uma dupla de araras-vermelhas nos visita todas as manhãs e todas as tardes.

Sou fascinada por plantas e animais e converso com eles, como se estivesse conversando com um ser humano e, além do mais, imagino as respostas, os diálogos deles. Mas não pense você que é por ser uma velha desocupada, pois desde criança tenho essa mania. Loucura para uns, sensibilidade para outros. Não à toa, meu esposo costuma dizer: “Não sei onde você tira tanta criatividade para pensar no que uma planta te respondeu.”

Coisa minha. Tanto é que, certo dia, há alguns meses, um casal de sabiás fez o ninho bem em uma coluna da minha área de serviço, com visão privilegiada de quem senta à mesa na minha cozinha. Acompanhei a construção desde a escolha do lugar, até o final, quando eles ensinaram os dois filhotinhos a voar e foram embora, sem nem me dizer adeus.

Este lugar, onde me sento pra fazer minhas refeições, é sem negociações, ninguém o ocupa a não ser eu, porque, dali, vejo os passarinhos e as árvores por uma das imensas janelas da minha cozinha. Esses dias, fui testemunha do diálogo de dois pardais que se aproximaram. Pela conversa, vi que era um casal procurando um lugar para a pardaloca botar seus ovinhos.

— Meu amor, veja, um ninho abandonado!

Eles estavam muito saltitantes, alegres e pareciam muito apaixonados.

— Sim. É um ninho abandonado, mas não vou botar meus primeiros ovinhos em ninho abandonado.

— Claro que não, meu amor. Nós vamos remover este, fazer um novinho em folha, bem fofinho, como você merece!

— Ah, bom! É bom mesmo! Pensei que você quisesse essa tapera abandonada.

— Lógico que não, só estou te mostrando o lugar.

— Mas será que está abandonado mesmo? Depois a gente investe e chegam os donos nos cobrando.

— Com certeza, está abandonado. Eu vi dona Maria contando para o esposo dela que os sabiás foram embora, sem nem dizer adeus. Ela estava até chateada.

— Vamos ver, eu quero um belo ninho para nossos descendentes.

— Pois, vamos fazer o melhor que pudermos, nossas joias raras merecem.

Depois que voaram muito em volta do ninho, experimentaram, pousando no lugar, observando a paisagem em volta, saíram voando e cantando. Creio que eles acharam outro lugar melhor porque, até hoje, o ninho velho está do mesmo jeito e não vi mais o casalzinho de pardais pelas redondezas.

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