Curta nossa página


Celina na espreita

Paula surge, cria gelo e trinca o copo de Arruda

Publicado

Autor/Imagem:
José Seabra - Foto Divulgação

A pré-candidatura de Paula Belmonte ao Governo do Distrito Federal caiu na cena política como um copo de água gelada atirado no motor ainda morno da campanha de José Roberto Arruda. O que se viu na quinta, 4, não foi uma cerimônia de anúncio; foi estilhaço. Até então, a narrativa arrudista, cuidadosamente montada entre cafés discretos, abraços ensaiados e sorrisos de convenção partidária, era a de um retorno triunfal, pronto para operar a velha mágica de uma ressurreição eleitoral que muitos consideram improvável.

É que Paula, antes vista por Arruda como a noiva ideal para compor a chapa como vice-governadora, estragou a coreografia. A posição da deputada distrital, que acaba de trocar o Cidadania pelo PSDB com as bênçãos de Aécio Neves, é no sentido de que o eleitor esqueça Arruda, porque Brasília, na avaliação dela, terá uma mulher eleita para o Palácio do Buriti em 2026. E Paula Belmonte transmite a sensação de que o ex-governador, cassado quando abriram a Caixa de Pandora, vai apoiá-la no segundo turno.

O gesto de Paula não foi visto como uma provocação, mas um ato de ocupação de terreno. Um recado público de que, antes mesmo de o PSD abrir a porta para Arruda no dia 15 de dezembro, alguém já acendeu as luzes, tomou o centro do palco e rasgou a cortina. E o ex-governador, acostumado a reorganizar a política local como quem arruma a própria mesa de escritório, viu seu roteiro deslizar da mão. O protagonismo escapou de sua narrativa. Em síntese, Paula Belmonte colocou gelo no copo dele antes mesmo de a bebida ficar pronta.

Se o campo governista comandado por Ibaneis Rocha (MDB) tem em Celina Leão (PP) sua aposta natural, musculosa e sólida, o campo oposicionista agora se vê fatiado por uma força inesperada — e, sobretudo, não alinhada ao velho sistema de troca de favores, tapinhas nas costas e alianças hermeticamente costuradas nos fundos de gabinetes. O que se observa é que Paula não entra como coadjuvante, mas como quem puxa o fio do novelo e, sem pedir licença, embaralha as estratégias alheias.

Para Celina, que já parte do governo e possui estrutura, apoio e densidade, o surgimento de Paula não é um ataque. No entorno da vice-governadora, o entendimento é o de que a volta da distrital ao ninho tucano representa um novo tipo de adversário, com perfil mais leve e mais solto, porém mais difícil de mapear. Para Arruda, é outra coisa. Trata-se da primeira fissura real em uma candidatura construída sobre o mito de que Brasília sempre gira ao redor dele.

Se havia quem imaginasse uma eleição previsível, com Celina de um lado, Arruda do outro, e o resto orbitando como satélites humildes, essa fantasia derreteu rápido. Isso porque Paula não apenas entrou na disputa. Ela alçou voo próprio, na certeza de que estará no segundo turno. Essa convicção é tanta que a deputada espera ter o apoio do próprio Arruda, como se ele já estivesse politicamente domesticado, pronto para abanar a cauda eleitoral no momento adequado.

Pode-se pontuar que o ato de Paula ser lançada ao Buriti por Aécio na expectativa de vitória não é uma previsão, mas uma tomada simbólica de poder. É dizer ao público e principalmente ao próprio Arruda, que a roda política do Distrito Federal não gira mais apenas pela força dos veteranos, mas também pela ousadia de quem não tem medo de empurrar as peças.

Um duelo inesperado
Sem desmerecer os projetos, Celina Leão e Paula Belmonte representam dois caminhos antagônicos, mas consistentes, destinados a se cruzar. De um lado, Celina, robusta, governista, enraizada e porta-estandarte de uma coalizão gigantesca, pilota um bloco político que raramente perde quando decide jogar sério. Já Paula, insurgente, aparece como deslocadora de placas tectônicas, capaz de alterar a narrativa da oposição e acuar figuras – como Arruda -, que se imaginavam intocáveis.

Duas mulheres fortes, ocupando espaços que por décadas foram guardados por caciques de voz grossa e mãos pesadas. E aqui está a ironia da História: numa capital da República habituada a ver os homens duelarem em torno do Buriti, talvez o verdadeiro combate de 2026 seja feminino e absolutamente inevitável.

No meio do caminho, Arruda, que insiste em não sumir. Paula, contudo, acaba de tirar dele o centro do palco, de onde Celina já o havia empurrado para a lateral.

Se o ex-governador quisesse simbolizar seu momento político, bastaria olhar para sua própria metáfora. Algo como a famosa ponte que sempre jurou construir entre passado e futuro. Hoje, essa ponte está sob obras, mas não dirigida por engenheiros. São, sim, duas mulheres que resolveram disputar o projeto arquitetônico do Distrito Federal sem pedir autorização ao velho síndico. O certo é que Paula resolveu bater asas em direção à cadeira hoje ocupada por Ibaneis. E que Celina, como uma leoa predadora de aves, está à espreita.

…………………….

José Seabra, de passagem por Brasília, é diretor da Sucursal Regional Nordeste de Notibras.

Publicidade
Publicidade

Copyright ® 1999-2025 Notibras. Nosso conteúdo jornalístico é complementado pelos serviços da Agência Brasil, Agência Brasília, Agência Distrital, Agência UnB, assessorias de imprensa e colaboradores independentes.