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O LADO B DA LITERATURA

Pedro Nava, quem diria, guarda parentesco com o filho do Daniel Marchi

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Autor/Imagem:
Cassiano Condé - Foto Reproduzida da Internet

O Nordeste brasileiro recebeu, em tempos idos, um imigrante italiano que foi parar no Ceará. Da descendência, um de seus bisnetos acabou casando-se com certa dama, oriunda de uma das mais antigas famílias de Minas Gerais. Deste casal nasceu, em 1903, na cidade de Juiz de Fora, Pedro Nava.

A genealogia dos Nava e dos Jaguaribe, dos quais Pedro descendia, é brilhantemente remontada no monumental “Baú de Ossos”, primeiro volume de sua obra de memórias, lançado em 1973. Na época, o autor já havia deixado uma reconhecida carreira de professor e médico, decisão avisada num lacônico bilhete ao sobrinho, também médico, com quem, por anos, Pedro dividira um conjunto de salas no centro do Rio de Janeiro.

Na medicina, ele foi pioneiro, no Brasil e na América Latina, na área da reumatologia. Artista plástico de talento, pintava quadros a óleo e dizia que “modéstia à parte, umas pinceladas eu sei dar”. Ele também sabia de poesia. Foi classificado como poeta bissexto, e assim apareceu na antologia preparada por seu amigo e paciente Manuel Bandeira. “Mestre Aurélio entre as rosas”, e “O Defunto” são considerados poemas de grande importância para a literatura brasileira.

Sobre este último, há um detalhe interessante: em 1968, Pablo Neruda fez uma de suas visitas ao Brasil. Aqui, ficou alguns dias hospedado na casa de Rubem Braga, onde foi entrevistado pela então repórter Clarice Lispector. Perguntado sobre os poetas brasileiros, Neruda mencionou Drummond, Jorge de Lima, Paulo Mendes Campos e Geir Campos. Mas disse que seu poema brasileiro predileto era “O Defunto”, de Pedro Nava, que recitava em todo lugar para seus amigos.

Nava casou-se com sua conterrânea Antonieta Penido, e não teve filhos. Transferindo-se para a então capital da República, estabeleceu-se como médico da assistência pública, tornando-se conhecido e respeitado nos bairros “barra-pesada” do Rio de Janeiro. Antes disso, em sua passagem por Belo Horizonte, após a morte de sua avó materna em 1913 — Maria Luíza Pinto Coelho da Cunha Jaguaribe, cujo primeiro marido fora Henrique Halfeld, a quem se atribui a fundação de Juiz de Fora — Nava fora amigo próximo de Carlos Drummond de Andrade e colega de Juscelino Kubitschek na faculdade de medicina.

As memórias de Pedro Nava, que seguiram em volumes como “Chão de Ferro”, “Beira-Mar” e “Balão Cativo”, evocam um Brasil e um Rio de Janeiro extintos. A partir de Minas que o viu nascer, e o Ceará de suas raízes paternas, Nava constrói um retrato fidedigno da sociedade de sua época, com seus costumes e preconceitos.

Ele trabalhava ainda em um novo volume quando morreu voluntariamente, em 1984, em estranhas circunstâncias.

Foi navegar em outros mares, feito poema, memória, história e canção.

Ia terminar esta coluna evocando os versos de uma balada que Vinícius de Moraes compôs para Pedro Nava, dizendo: “Meu amigo Pedro Nava, em que navio embarcou? A bordo do Westphalia ou a bordo do Lidador?”

Mas, em tempo, Cecília Baumann, nossa editora-assistente, lembrou que, no livro “A Verdade nos Seres”, do nosso colega do Notibras, Daniel Marchi, há um poema alusivo a Nava — parente de seu filho Francisco, por trincadas genealogias. Assim, encerro com os versos do companheiro de redação, que dizem:

Pedro, Pedro, onde andará?
Foi no coração das meninas?
Foi nos caminhos de Minas,
Ou no mar do Ceará?

Pedro, Pedro, seu assunto
Foi o grande baú de ossos,
Brancos e magros como os nossos,
E também o seu Defunto…

Pedro, Pedro, que saudade
Da leitura despreocupada
Sobre a vida de gente passada,
De beleza ou fealdade.

Pedro, Pedro, testemunha
De toda a história obscura
Que se encerra na sepultura
Do bisavô Luiz da Cunha…

Pedro, Pedro, fico devendo
Um poema a seu respeito,
Feito a um amigo do peito
No livro que estou escrevendo.

…………………..

Cassiano Condé, 82, gaúcho, deixou de teclar reportagens nas redações por onde passou. Agora finca os pés nas areias da Praia do Cassino, em Rio Grande, onde extrai pérolas que se transformam em crônicas.

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