Virando o jogo
Piauí vira ator global na mineração e acelera exportações de ferro
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Nos últimos dois anos o Piauí testemunhou uma transformação rápida em sua economia mineral: as exportações de minérios do estado cresceram em patamares que surpreendem analistas e governo, colocando o território piauiense no mapa de fornecedores internacionais de minério de ferro. O salto recente não é apenas estatístico: trouxe receita, novos investimentos em logística e também um conjunto complexo de desafios ambientais e sociais a ser gerido.
Relatórios oficiais e comunicados do governo estadual indicam que a atividade mineral do Piauí registrou um aumento de mais de 400% nas exportações em relação aos anos imediatamente anteriores; em particular, a produção de minério de ferro teve um acréscimo extraordinário entre 2023 e 2024, na casa dos milhares por cento, segundo dados divulgados pelo governo. Em 2024, as vendas externas de minérios ultrapassaram a marca de US$ 35 milhões, e a arrecadação da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM) também cresceu, ainda que os valores sejam modestos quando comparados a grandes estados mineradores.
As estimativas técnicas do estado apontam para reservas da ordem de mais de 1 bilhão de toneladas de minério de ferro e uma produção que já alcança, em termos anuais, a casa de aproximadamente 1 milhão de toneladas, números que explicam o interesse de investidores nacionais e estrangeiros. Essa combinação de reservas e incremento produtivo explica por que o Piauí passou a figurar entre os maiores exportadores brasileiros do minério nos últimos levantamentos.
O avanço da mineração só foi possível graças a uma cadeia logística que vem sendo estruturada rapidamente. Contratos entre mineradoras e operadores portuários — com destaque para acordos que pretendem utilizar o recém-desenvolvido Porto Piauí — abrem perspectiva de escoamento interno, reduzindo dependência de terminais em outros estados. Operações via transhipment (transbordo) e investimentos em armazenagem e acostagem foram anunciados para viabilizar exportações em grande escala; projeções apontam que o Porto Piauí poderá movimentar até 1 milhão de toneladas por ano a partir de 2026, com destinos como China, México e Estados Unidos. Para viabilizar essa logística, há aportes previstos em infraestrutura portuária e em silos/galpões de estocagem.
O crescimento do setor trouxe efeitos positivos palpáveis: geração de empregos diretos e indiretos nas áreas de extração, transporte e serviços; aumento de arrecadação via CFEM, cuja parcela destinada aos municípios já começou a ser percebida em repasses; e expectativa de atração de cadeias de valor, com projetos que mencionam possibilidade de agregação de valor dentro do próprio estado. Ainda assim, autoridades reconhecem que grande parte da cadeia de beneficiamento e transformação do minério permanece fora do Piauí, o que limita ganhos de maior valor agregado no curto prazo.
A velocidade com que o setor se expandiu também expõe riscos. Exploração mineral de grande escala implica em impactos sobre recursos hídricos, uso do solo, biodiversidade e modos de vida de populações locais. A pressão por licenciamento ambiental, monitoramento de barragens e programas de compensação social tornou-se imediata: especialistas e órgãos estaduais têm defendido um modelo de mineração sustentável que incorpore a mitigação de impactos, fiscalização rigorosa e diálogo com comunidades afetadas. Sem esses mecanismos, o crescimento pode gerar conflitos sociais e custos ambientais que anulam parte dos benefícios econômicos.
Além do minério de ferro, o Piauí vem sendo olhado por investidores pela presença potencial de minerais considerados estratégicos para a transição energética — como cobre, níquel, grafita e outros — e por projeções que apontam para crescimento continuado do setor mineral no estado nas próximas décadas. Políticas públicas de atração de investimentos, aliadas a normas de governança e sustentabilidade, podem transformar o Piauí não apenas em exportador bruto de minério, mas em polo com atividades de maior tecnologia e valor agregado.
No curto prazo, o desafio prático será consolidar o escoamento por via marítima e rodoviária sem prejudicar comunidades e meio ambiente — isso inclui concluir obras portuárias, ampliar capacidade de armazenagem e assegurar licenças e controles ambientais. No médio prazo, a aposta do estado é converter esse impulso inicial em desenvolvimento mais amplo: atrair investimentos de transformação industrial, ampliar arrecadação local e criar empregos qualificados. Se bem conduzido, o atual ciclo de mineração pode representar uma virada econômica para regiões historicamente periféricas do Piauí; se mal gerido, há risco de repetição de modelos de exploração com ganhos concentrados e impactos sociais e ambientais duradouros.