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Pinotti se fartou de frutas antes de ser catapultado da Saúde

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José Escarlate

Maio de 1960 – Uma tarde recebí pauta da Gazeta para entrevistar o então ministro da Saúde, professor Mario Pinotti. Apesar da poeira vermelha e dos “lacerdinhas”, todo engravatado, parti para lá antes da três horas da tarde. Subí ao gabinete e pedi para falar com ele. Disse que era urgente. A secretária respondeu que o ministro estava em reunião. Que eu aguardasse.

Pinotti foi o criador do Plano Nacional de Combate e Erradicação da Malária, em 1952 e havia preparado o programa de governo de JK, em 1955. Titular da Academia Nacional de Medicina, idealizara a adição de iodo ao sal, para combater o bócio. No início, houve resistência pelo gosto ruim que causava. Hoje, todo sal é iodado. Ou o sabor ruim desapareceu ou a turma acostumou.

Pois bem. Fiquei no gabinete do ministro até cinco da tarde e nada de ser atendido. Aborrecido – a secretária me olhando -, levantei e metí a mão na maçaneta da porta do gabinete de Mario Pinotti. Para minha surpresa, ele estava sozinho no imenso gabinete, à cabeceira de uma mesa com um enorme guardanapo enrolado no pescoço, desses típicos de restaurante italiano, para não sujar a camisa, degustando frutas, que descascava paciente e pausadamente.

Era um homem bem idoso, com vasta cabeleira branca. Quando me viu ficou espantado. Expliquei que era repórter do jornal A Gazeta, de São Paulo e que havia sido pautado para saber sobre sua pesquisa de tornar iodado o sal e a campanha de combate às endemias rurais. Disse mais: que tinha pressa e que estava na hora limite para enviar a matéria para a redação, em São Paulo.

Calmamente Pinotti levantou-se, foi ao lavatorio passar água nas mãos e me deu uma das melhores entrevistas que fiz, merecendo eu elogios da direção do jornal. Mas o que ele comeu de frutas, não estava no gibí.

Um dia, durante o governo Geisel, contei esse caso ao então ministro da Justiça, Armando Falcão, o homem do “nada a declarar”. Falcão me disse que, à época, o Pinotti havia perdido o comando do ministério, deixando-se cercar por aproveitadores inescrupulosos.

Colocaram na cabeça de Pinotti que ele poderia ser o escolhido para vice do marechal Lott, pré-candidato a presidente. Mordido pela “mosca azul”, Pinotti se achava o rei da cocada preta. A turma se aproveitava e fazia dele gato e sapato, inclusive desviando verbas. Na ocasião, a compra de medicamentos era o alvo preferido da corrupção. A propina ali corria solta. A ordem para defenestrar Pinotti da pasta da Saúde partiu do próprio Juscelino.

PV

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