Milagre da esmola
Pobre não é caso de polícia, mas irmão que não teve a mesma sorte
Publicado
em
Lembro que, desde pequena, ouvia os mais velhos dizerem que dar esmola não era certo. Diziam que alimentava a preguiça e enchia a rua de miseráveis. Os governos repetiram isso tantas vezes que muita gente acreditou. E, no entanto, quando abro o Evangelho, está lá: dar esmolas é mandamento, faz parte da tradição cristã.
E quando você dá, não é apenas o outro que se abaixa para receber. Você também se curva, porque não tem nenhuma garantia de que aquele dinheiro, aquele pão, será usado como você imagina. É um exercício de confiança. Mais do que isso: de humildade. Quem somos nós para decidir o que é melhor para o pobre? Há quem queira tutelar até a fome dos outros, como se o pobre fosse sempre uma criança desorientada. Não acredito nisso. Acredito, sim, que quem doa precisa se colocar em posição de sujeição: não controlar, não julgar, apenas partilhar.
Os santos entenderam isso com uma clareza desconcertante. São Francisco de Assis beijava as feridas como quem toca a chaga de Cristo. Madre Teresa, entre os moribundos da Índia, dizia que eles lhe davam mais do que ela podia oferecer. A esmola, no fundo, nunca foi só sobre a moeda que cai da mão de quem dá. Sempre foi sobre a dignidade de quem recebe.
E hoje, aqui no Brasil, quando vejo o padre Júlio Lancellotti ao lado dos miseráveis, penso que ele é um desses profetas incômodos que nos lembram da essência do Evangelho. Por isso é perseguido, por isso recebe ameaças: porque não se cansa de dizer, com a própria vida, que o pobre não é estorvo, não é caso de polícia, não é estatística. É irmão.
Dar esmolas pode não mudar o mundo, mas muda a gente. E talvez seja esse o verdadeiro milagre.