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Dinheiro pelo ralo

Política brasileira vira cocô do cavalo do bandido antes da curva

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Autor/Imagem:
Mathuzalém Júnior - Foto Rafa Neddermeyer/ABr

A política brasileira chegou a tal nível de desavergonhamento que a maioria das famílias não permite mais que as crianças assistam os telejornais do horário nobre. O temor é de que elas aprendam as técnicas da corrupção na sala de casa. Diariamente e em rede nacional são mostrados os esquemas parlamentares, a divisão de ganhos e os acertos de contas entre o governo e lideranças partidárias, incluindo aquele bloco de ariranhas. É realmente outro patamar. Além do que recebem por fora para circular, comer e rosetar pelo país, nossas excelências chegam ao acinte de gastar fortunas incalculáveis com publicidade acerca do que dizem que fazem. Como ninguém pesquisa, fica o dito pelo não dito. No entanto, a verdade é que eles pouco fazem.

Em 2023, ano da coroação da democracia, os deputados “investiram” na mentirada R$ 84,1 milhões para massagear o ego, supostamente distribuindo mensagens para “patriotas”, seguidores ou eleitores comuns. Como cidadão ou como jornalista que sou há pouco mais de quatro décadas, jamais fui premiado com uma dessas “mensagens”. Também não conheço nenhum amigo daquele amigo que as tenha recebido. Se gastam, por que o rádio e a televisão, veículos poderosos de comunicação, nunca veicularam algo do gênero? Como não há prestação de contas específica, a cara de pau de cada um é suficiente para garantir a lisura da maracutaia explícita. O custo é altíssimo, mas o retorno é zero. Pelo menos para quem mais precisa.

A prática é antiga e, apesar de imoral, é legal. Por isso, nos resta orar. E muito, principalmente nessa época de crescimento da dengue no Brasil. Por conta da dificuldade de recursos para controle do mosquito transmissor, a maioria dos governantes prefere negar a existência de uma epidemia. Negam, mas não conseguem esconder o volume de mortes. Até onde se sabe, já são 40 óbitos no país, 11 dos quais na Capital Federal e quatro em São Paulo. Não existe verba no orçamento. No entanto, no ano passado os deputados federais bateram recorde na gastança do dinheiro público que, além dos convescotes e empregos para apaniguados, no caso em questão é utilizado para “divulgação da atividade parlamentar”, incluindo a “alimentação” da rede pública.

Dinheiro meu e seu, os R$ 84,1 milhões representam 38,3 % do total da chamada Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar (Ceap). É uma aberração, na medida em que, por falta de divulgação preventiva, grande parcela dos brasileiros morre diariamente de inanição, de dengue e de outros males menores. Ou seja, às favas com a vida. Meu pirão primeiro. É essa minha conclusão, considerando que as recomendações contra o mosquito transmissor são sempre as mesmas: caixa d’água tampada, areia nas plantas e uso de repelentes. Eles têm consciência de que só isso não basta, mas é o que sabem dizer.

No fim deste ano, provavelmente a banca será novamente estourada. Pelo menos, suas santidades terão argumento. Como bonzinhos que são, imagino que, aproveitando a deixa do Aedes Aegypti, eles poderão justificar o “investimento” com mensagens às famílias dos que morreram em decorrência da picada do mosquito. Seria algo do tipo ‘Estou solidário e à disposição para qualquer eventualidade’. Mesmo sendo apenas um patrício distante, o decujo não seria esquecido. Para ele, o discurso talvez fosse mais contundente: ‘Estamos juntos. Você morreu para seus ingratos familiares, mas continua bem vivo em minha lista de eleitores. Vá com Deus, mas volte para votar em mim na próxima eleição. Se não voltar, peço a Lula para cancelar o Bolsa Família’.

Para ilustrar os que babam os praticantes do esporte do tiro ao ralo do dinheiro público, a grana do chamado “cotão” – na verdade um eufemismo de rapinagem – banca ou reembolsa deputados por gastos como aluguel de escritório, combustível, alimentação, passagens aéreas e hospedagens, entre outras benesses. Tudo isso para, como está documentado, nos representar. Eu não me recordo de ter sido um dia representado por um deles. Aliás, nem quero. Triste é ter a certeza de que, ano após anos, o covil dos lobos não para de crescer. Começam bem, mas, antes da primeira curva, como cantou Rita Lee em uma canção composta por Moacyr Franco, “… a rabada, o tutu, o frango assado, a prostituta e o deputado…tudo vira bosta”.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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