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Eleitor cego

Político ruim é reflexo do povo despreocupado com o futuro

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Mathuzalém Júnior - Foto Marcelo Camargo/ABr

Artistas sem palco e sem shows rentáveis, mas com uma cara de pau de fazer inveja a Pinóquio, o que lhe garante uma portentosa fonte arrecadadora, o político brasileiro é craque na arte de fazer caixa. Quando se trata de fazer render o dinheiro público, o que seria obrigação dos deputados e senadores, a tarefa vira uma lucrativa negociação. No fim de dezembro, o Congresso se reuniu para votar o Orçamento de 2024.

Conforme determina a lei, sem ele não há recesso. Em outras palavras, nossos briosos congressistas teriam de ficar em Brasília até que houvesse uma decisão. No Orçamento de R$ 5,5 trilhões, suas excelências “reservaram” R$ 53 bilhões – valor recorde – para emendas parlamentares.

Somente para o Fundo Eleitoral foram destinados R$ 4,9 bilhões, mais do que o dobro gasto nas eleições municipais de 2020. Recursos a que deputados e senadores têm direito assegurado, as emendas são verbas legais, distribuídas nas modalidades individual (25 bilhões), bancada (11 bilhões) e comissão (17 bilhões).

A bufunfa das individuais e de bancada são impositivas, ou seja, o governo é obrigado a disponibilizar a verba para cada parlamentar e para cada bancada estadual. No papel, essa grana “assegura” o custeio de obras e de outros serviços públicos. Na prática, sabe-se lá como é feita a prestação de contas, que deveria ser pública, do mesmo modo que é a liberação do dinheiro.

Não tenho partido político. Trabalho, brigo, critico e reclamo pelo meu país, pelo meu Brasil. Por isso, estou à vontade para afirmar que, estranhamente, os fazedores de leis normalmente as criam para a inutilidade. Eles são os primeiros a deixá-las de lado. É aquela velha história dos homens bons, para os quais as leis são desnecessárias, e dos corruptos, que acham qualquer lei inútil.

Também não tenho razão para esconder minha indignação acerca do montante absurdo das emendas. Estão certos aqueles que dizem que, quanto mais dinheiro, mais corruptos, mais falsidade, mais deslealdade e mais sofrimento para o povo, apelidado jocosa e pejorativamente de contribuinte.

Que me perdoem os que se arvoram como donos da inteligência política, que sistematicamente se limitam a culpar o sistema pelas mazelas do país. Se assim fosse, a corrupção não seria uma exceção. Lamento escancarar meu posicionamento, mas políticos ruins eleitos em uma democracia são o reflexo de um povo descompromissado com seu próprio futuro.

Faz algumas décadas ouço isso. Se nada mudou, obviamente que o culpado continua sendo o eleitor que desinteligentemente escolhe políticos conduzidos exclusivamente pelo interesse e não pelo sentimento. Resumindo, acreditar em promessas da maioria dose candidatos a cargos eletivos é ter ideias curtas.

Depois de eleitos, não há o que reclamar. É aceitar a cegueira política, aderir ou se insurgir contra o radicalismo raivoso e assistir passivamente à farta distribuição do dinheiro público que falta para saúde, segurança e educação. De nada adianta dizer que político é um cancro. Realmente são, mas eles não nascem em árvores, tampouco pipocam de chocadeiras. Eles são eleitos pelo tal do contribuinte, cujo contracheque (quando tem) vem recheado com os zeros que supostamente sobram das emendas parlamentares.

Enfim, é o meu, o seu, o nosso Congresso Nacional, essa fantástica fábrica de parasitas, de sabotadores. Faço minhas as palavras do filósofo francês Jean-Jacques Rousseau, para quem “uma sociedade só será democrática quando ninguém for tão rico que possa comprar alguém e ninguém tão pobre que tenha de se vender a alguém”.

Apesar de termos encerrado 2023 sem incluí-lo nas estatísticas dos anos ruins, ainda estamos muito distantes do ideal. Talvez nunca o alcancemos. Não fossem as leis criadas para serem inúteis, sugeriria ao povo que tem medo da política que substituíssem a política pela polícia.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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