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Cascavel no cio

Políticos encerram o ano com aposta na arte de bem se servir

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Mathuzalém Júnior - Foto Antônio Cruz/ABr

Reflexo da sociedade corroída a que pertencem, os políticos brasileiros são, em sua esmagadora maioria, um vírus com 50 tons de sacanagem, hipocrisia, cinismo, ilusionismo e, sobretudo, individualismo. Eles são a encarnação dos “artistas” do Império Romano que, em nome do povo e de causas nobres, atuavam no Coliseu exclusivamente para atender os próprios interesses. Acostumado com o dia a dia de assembleias legislativas e do Congresso Nacional, eu até gosto de política. Meu problema são os políticos, os quais merecem tanta confiança quanto uma cascavel no cio. Depois de anos acompanhando o lenga-lenga e os bastidores das casas de leis, concluí que confiar na classe é dar um tiro no próprio pé.

Há os que merecem títulos de benemerência. No entanto, são tão poucos que prefiro a dúvida do pensador anônimo, o qual jamais conseguiu entender a razão pela qual os brasileiros abominam os políticos corruptos, mas que frequentemente os reelegem. Tudo bem que a prática da política é a arte do possível. Todavia, desde cedo aprendi com os mais sábios que a arte existe unicamente para que a realidade não nos destrua. A frase é antiga, mas até hoje utilizada somente pelos poetas no momento da conquista pessoal. Vale registrar que frases de efeito a respeito dos políticos são produzidas todos os anos aos milhares. Nenhuma delas até hoje teve efeito eleitoral. Ou seja, entram e saem sem sonoridade alguma.

Sinônimo de maestria e capacidade artística, o filósofo e filólogo alemão Friedrich Nietzsche, por exemplo, ensinou à humanidade que o homem dispõe do talento para não morrer da verdade, substantivo que, infelizmente, caiu em desuso entre os politiqueiros. Compositor austríaco, Wolfgang Amadeus Mozart foi mais longe ao afirmar que o segredo da criatividade não é força ou dom. Segundo ele, para se “construir” uma obra de arte também é preciso viver ou ter vivido um grande amor. Aí é que mora o perigo. Ao contrário das artes, não há amor à política. O que os políticos amam é o que conseguem com a prática.

Eleitos e, depois de bem ajustado o preço, é que os homens públicos começam a trabalhar por amor à arte de bem se servir. Seguidor dos conselhos de Thomas Jefferson, o terceiro presidente dos Estados Unidos, sei que a política é uma praga. Por isso, recomendo a todos para que não se metam nela. Mais realista do que o rei, o jornalista Stanislaw Ponte Preta, tricolor apesar do nome, disse certa vez que a prosperidade de alguns homens públicos do Brasil é uma prova evidente de que eles vêm lutando pelo progresso do nosso subdesenvolvimento. Defensor da liberdade individual e da democracia, o historiador francês Alexis Tocqueville entendia que, em política, a comunhão de ódios é quase sempre a base das amizades. O entendimento permanece.

E por que não lembrar do ex-banqueiro Magalhães Pinto? No auge de seu poder como senador, ministro de Estado e governador das Minas Gerais, ele definiu a política como uma nuvem. “Você olha e ela está de um jeito. Olha de novo e ela já mudou”. E o imortal Ulysses Guimarães? Para o Sr. Diretas Já, “em política até a raiva é combinada”. Apesar de político antigo, Ulysses nunca escondeu que a corrupção é o cupim da República. Também é dele a tese de que não adianta questionar a composição do Congresso. “Se está achando ruim, então espere a próxima. Será pior, e pior, e pior”. Para boa parte dos atuais congressistas, obra de arte ou democracia é defecar na Bandeira Nacional, quebrar prédios públicos, agredir ministro do STF e apedrejar deputados e senadores antagônicos.

Transportando a narrativa para nossos dias, mais precisamente para os últimos cinco anos, não é demais afirmar que a parte chata de discutir futebol, política e religião não é a discussão em si, mas o fato de que é inútil argumentar contra fanáticos. Embora nada tenha contra aqueles que são elogiados gratuita, sistemática e imerecidamente, sou de opinião que, enquanto o povo tratar político como celebridade ou mito, continuará a ser tratado como gado. Politizados ou apenas simpáticos aos políticos traiçoeiros e retrógrados, para esses a recomendação é para aproveitarem o fim do ano como sugestão motivacional. Levantem, sacudam a poeira e deem a volta por cima. Melhor do que elogiar quem nos envergonha e age na contramão da história é adotar um gato ou um cachorro de rua. Com exceção da cascavel no cio, os animais são confiáveis.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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