Curta nossa página


As lembranças

Por onde passava, deixava um forte rastro de luz

Publicado

Autor/Imagem:


Leonardo Mota Neto

No dia dos 100 anos de nascimento de Ulysses Guimarães, conto algumas passagens pessoais com uma das figuras mais amenas, cativantes, carismáticas e agregadoras já produzidas por essa fria e muitas vezes abjeta atividade que se esconde sob o manto da “arte do possível”. Dr. Ulysses sempre foi a exceção.

O hotel
Como deputado federal, embora dispusesse de apartamento funcional, isso antes de ser presidente da Câmara, Dr Ulysses preferiu morar num hotel de quatro estrelas, bem no centro de Brasilia,no Setor Hoteleiro Sul, acolhedor mas bem estreito de largura, o Hotel das Nações. Convidou para compartilhar seu quarto o amigo e deputado pelo Rio, Nélson Carneiro, autor da lei do divórcio, mais tarde senador. Os dois mantiveram o compadrio durante alguns anos sem divórcio hoteleiro.

O santista
O antigo presidente do Santos Futebol Clube, Ulysses Guimarães, conheceu na cidade litorânea de São Paulo, um amigo do qual nunca mais se despregou: João Pacheco e Chaves, mais tarde também deputado federal da bancada de São Paulo. Foram inseparáveis durante um bom tempo em Brasilia. Pacheco (que fazia questão de sublinhar o “e” entre seus sobrenomes, para destacar sua procedência nobre) dizia de seu orgulho de ter feito o antigo cartola do Santos aprender a usar os talheres à mesa como os nobres fazem.

Sem medo
Como presidente em exercício, das muitas exercidas com José Sarney viajando para fora do país, Dr. Ulysses foi convidado por Bernardo Cabral, deputado, seu amigo e relator da Constituinte, para uma feijoada de sábado no Hotel Eron, então o preferido dos políticos. Convidou alguns jornalistas, eu entre eles. No meio da excelente feijoada de Eron e Eraldo, Dr Ulysses recebeu um telefonema da Casa Militar, urgente. Estava chovendo muito em Petrópolis, uma grande tempestade com vítimas e desabamento de casas, tendendo a ser uma tragédia. O presidente foi até ao fim nas garfadas, mas quando tomou seu último licor Poire e decidiu ali mesmo viajar no dia seguinte à arrasada cidade contra a opinião de todos, porque era muito perigoso. Viver para ele era muito perigoso, mas era gostoso. Fui com ele, a seu convite, no dia seguinte. Foi muito bom ver o perigo de perto.

Clube do Poire
Foi no restaurante Piantella que Dr. Ulysses foi apresentado a uma das paixões de sua vida: o licor de pêra Poire. Um clube de degustadores da beberagem francesa foi formado nas noites (algumas vezes também nas tardes) do famoso restaurante recentemente fechado, enquanto conspiravam. O clube – uns 10 políticos, ministros e jornalistas – ocupava uma mesa do mezzanino do Piantella, onde eram servidos pessoalmente por Marco Aurélio, proprietário da casa. Detalhe: Dr Ulysses fazia questão de pagar suas contas, rateando com os demais da mesa, sacando seu talão de cheques dourado do Banco da Brasil. Nunca aceitou cortesias de Maco Aurélio, embora o Poire seja caríssimo.

Última homenagem
Nesta quinta, 6, na Câmara, foi realizada a sessão nobre de homenagem a Dr. Ulysses. O discurso mais comovente foi de Roberto Jefferson, ex-deputado carioca e detonador do mensalão. Uma passagem emocionante na leitura a que fez de uma estrofe do poeta Jorge de Lima (“O Acendedor de Lampiões”) para comparar o Senhor Diretas ao personagem que todos os dias, no Rio e na São Paulo antigos, acendia os lampiões de gás (movidos a óleo de baleia) nas ruas das cidades. Uma metáfora viva: Ulysses Guimarães, deixava um rastro de luz por onde passava.

Comentar

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.

Publicidade
Publicidade

Copyright ® 1999-2025 Notibras. Nosso conteúdo jornalístico é complementado pelos serviços da Agência Brasil, Agência Brasília, Agência Distrital, Agência UnB, assessorias de imprensa e colaboradores independentes.