Imigração
Portugal está dando guinada definitiva para a extrema direita?
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A história de Portugal é uma história de emigração e imigração, especialmente a partir das grandes navegações, lá no século XVI. O país enviou muita gente para fora assim como recebeu muita gente de fora ao longo da história.
Atualmente, há aproximadamente 1,5 milhão de estrangeiros vivendo em Portugal, e estima-se que mais de 1,0 milhão de portugueses vivam em outros países. Nas duas últimas décadas houve um movimento de entradas e saídas de pessoas em dois momentos distintos: na primeira década a saída de pessoas superou muito a entrada e houve um fluxo expressivo de portugueses, principalmente para outros países da União Europeia, com destaque para o Reino Unido, Luxemburgo e Alemanha. Muito deste êxodo em função da grave crise econômica que se abateu sobre Portugal entre 2011 e 2015.
Na década que se seguiu, especialmente após 2015, diminuiu sobremaneira a saída de portugueses, mas o país continua a exportar muita gente para outros países com destaque para a Europa, especialmente jovens em busca de melhores salários, pois é notório que Portugal, embora tenha um custo de vida dos mais baixos da Europa, tem salários abaixo da média europeia. Neste mesmo tempo houve uma elevação do número de imigrantes, com destaque parta o expressivo ingresso de brasileiros, indianos, nepaleses e cidadãos de países africanos que falam português como Angola e Moçambique, em busca de melhores condições do que em seus países de origem.
Este movimento de entrada de pessoas tem permitido um equilíbrio que passa ao largo dos discursos xenofóbicos da extrema direita que tem crescido exponencialmente em Portugal. O Chega, um partido extremista apoiador de Trump e de Bolsonaro, por meio de fake news, marca registrada da extrema direita, espalha mentiras principalmente sobre elevação da violência e de gastos sociais do estado com imigrantes, o que é absolutamente falso conforme as estatísticas oficiais tanto portuguesas quanto europeias, que evidenciam um país muito seguro, e, destaque-se, baixíssimos episódios de violência envolvendo imigrantes.
Quanto ao falso discurso sobre gastos sociais excessivos, as estatísticas deixam claro exatamente o oposto sobre a seguridade social. Só no ano de 2024 os imigrantes contribuíram com 3,64 bilhões de euros para a segurança social e receberam dela 680 milhões de euros, resultando em um saldo positivo de 2,96 bilhões. São números que comprovam que os imigrantes em situação legal, a imensa maioria, contribui de forma importante para a sustentação da seguridade social portuguesa. Outro aspecto de extrema relevância é que sem os imigrantes setores importantes da economia como agricultura, alimentação, limpeza e economia de cuidados teriam enorme dificuldade de conseguir mão de obra. Outrossim, cabe registrar também que a população portuguesa só não está encolhendo em face da entrada de imigrantes, pois o saldo entre nascimentos e falecimentos de portugueses há anos é deficitária, fazendo da população originária envelhecida, o que promove desequilíbrios demográficos que acarretam sérias dificuldades para o equilíbrio de sistemas previdenciários bem como na alocação de mão de obra.
A despeito de todas estas circunstâncias que evidenciam a necessidade da entrada de cidadãos estrangeiros, o atual governo de centro-direita, provavelmente para fazer frente ao crescimento da extrema direita que se tornou a segunda força política no parlamento, está derivando para uma visão extremista e preconceituosa sobre a imigração, fazendo com que Portugal deixe de ser um país amigável para estrangeiros e que poderá se tornar um dos mais difíceis para imigrantes acessarem.
O governo está propondo ao parlamento medidas que endurecem a entrada de estrangeiros, e dificultando sobremaneira a obtenção da nacionalidade portuguesa para aqueles que a desejam. As medidas vão desde dificuldades extremas em trazer familiares, inclusive filhos, até a obrigatoriedade de demonstração de altíssimas qualificações para a entrada de trabalhadores, o que deixa setores que empregam mão de obra de menor qualificação em pânico, visto que aqueles com menores qualificações praticamente serão impedidos de entrar no país. E as medidas abrangem até mesmo os países da CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa) da qual o Brasil faz parte, que têm acordos diferenciados com Portugal acerca da imigração.
Dentre as medidas já aprovadas no parlamento, diversas foram declaradas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional. Mas o governo insiste em manter uma série de alterações na legislação, e tem afirmado que enviará uma nova redação para o parlamento. É aguardar para ver se Portugal continuará a ser uma país amigo do imigrante, que assim como envia muitos dos seus para o estrangeiro tem recebido de braços abertos aqueles que vêm do estrangeiro para somar, ou se vai adotar uma visão “trumpista” que enxerga o estrangeiro como um inimigo que deve ser combatido.
É claro que há necessidade de todo o rigor quanto à imigração, o que já ocorre, pois o processo não é simples, pelo contrário é bastante burocrático, mas perfeitamente possível. Até porque a imigração ilegal, esta já passa ao largo da legislação e da polícia, e, com a dificultação da imigração legal tende a aumentar, pois uma das áreas mais lucrativas para o crime é o tráfico de pessoas, que só cresce quando os governos tornam os canais legais de entrada mais difíceis.
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Antonio Eustáquio é correspondente de Notibras na Europa