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O pesadelo

Pouca Ideia e Farofa fogem sonhando com liberdade

Publicado

Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Irene Araújo

Na calada da noite, durante a fuga orquestrada por Salamandra, um a um dos condenados passaram pelo buraco no chão, que dava direto num imenso túnel. O medo de desabamento fez com que Corrimão desistisse. Filé, cuja pena era pequena, foi outro que preferiu ficar. Farofa e Pouca Ideia, dois gatunos dos mais sofríveis, tomaram coragem e seguiram os fugitivos.

Quase meia hora depois, Pouca Ideia foi o último a sair do buraco, que ficava a pouco mais de 30 metros do muro lateral da Papuda. Correu que nem maluco até a primeira moita, onde tentou se encolher o máximo possível. Ainda desorientado, escutou um sussurro. Era o Farofa, que acenava freneticamente para que ele se arrastasse em sua direção.

Assim que se juntou ao amigo, Pouca Ideia perguntou pelos outros fugitivos. Farofa disse que não sabia, mas que preferia daquele jeito. E, antes que Pouca Ideia pudesse questioná-lo novamente, o gatuno puxou o companheiro pelo braço e prosseguiram a fuga.

Caminharam durante o resto da noite e, assim que o dia começou a clarear, se embrenharam ainda mais no cerrado. Ofegantes pela longa jornada, não faziam ideia de onde estavam. Talvez já fosse Goiás, arriscou Pouca Ideia. Farofa, não sabendo se o amigo estava certo, concordou com um aceno de cabeça. Cansados, adormeceram com o cantar dos pássaros.

A dupla foi despertada pelos raios solares castigando suas faces. Por um instante, imaginaram-se ainda na prisão, até que, de olhos bem abertos, perceberam que estavam livres. Os dois sorriram e pularam abraçados. Finalmente livres depois de quase cinco anos atrás das grades.

Uma dúvida fez com que Farofa, o mais inteligente da dupla, ficasse pensativo. Pouca Ideia ainda tentou continuar comemorando a fuga, mas foi interrompido pelo comparsa. De nada adiantava fugir se os dois fossem capturados dali a pouco. Um plano! Eles precisavam de um plano para nunca mais voltarem para aquele calabouço de cimento duro e frio.

Farofa, cujas ideias não vinham naquele momento, decidiu continuar a caminhar. Pouca Ideia, sem melhores perspectivas, o acompanhou. Andaram por dias e noites. Alimentaram-se de qualquer coisa comestível que encontravam pelo caminho. Perderam algum peso, mas nada que pudesse abalar a confiança de que conseguiriam se manter em liberdade.

Os foragidos já haviam perdido a noção do tempo, quando perceberam que a vegetação começou a mudar. As árvores do cerrado, a maioria torta, foram ficando cada vez maiores. Como os dois não sabiam ler, nem perceberam a placa, bem lá atrás, anunciando a divisa entre Minas Gerais e São Paulo, continuaram desorientados. Também não se atreveram a manter contato com quem quer que seja. Afinal, alguém poderia reconhecê-los e chamar a polícia.

Já era final de tarde quando se depararam com um riacho. Pararam por um instante, se refrescaram e até tentaram, com as próprias mãos, agarrar um dos pequenos peixes. Sem sorte, desistiram da empreitada. Foram andando ao longo do riacho até que avistaram uma casa bem ao fundo.

Pouca Ideia, impaciente, quis saber o que os dois fariam. Farofa, que parecia sem ideias, disse que precisava pensar. Não teve ideias, mas decidiu que iriam até a propriedade. E foi o que fizeram. Caminharam por quase uma hora, depois por mais duas, e nada de chegarem. Teimosos, insistiram pela noite inteira. Amanheceu e a caminhada prosseguiu até a noite seguinte. Nada!

Exaustos, decidiram se sentar, cada um escorado em uma árvore, um de frente para o outro. De repente, os dois se olharam espantados. Sangue escorria de seus corpos. Mortalmente feridos, os dois tombaram a poucos metros do muro da Papuda, o famoso presídio em Brasília, onde haviam passado os últimos quase cinco anos. A esperada liberdade, enfim, havia chegado.

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