Sadia e Perdigão
Pratos com sabor de morte, dor, perda e indignação
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Hoje escrevo tomada por uma indignação que me consome. Uma funcionária da BRF (dona das marcas Perdigão e Sadia) perdeu os dois filhos gêmeos que carregava no ventre porque foi impedida de deixar o local de trabalho. Leia de novo: impedida de sair. Não se trata de uma ficção distópica. Aconteceu no Brasil. Em 2025.
Uma mulher. Grávida. De gêmeos. Migrante. Pobre. Negra. Quantas camadas de vulnerabilidade cabem numa única existência? Ela não pediu um privilégio. Pediu o mínimo: que sua gestação fosse respeitada, que seu corpo em transformação fosse acolhido, que sua dor fosse ouvida.
Em vez disso, encontrou um sistema que, movido por metas, lucros e carne embalada a vácuo, ignorou tudo isso.
A empresa, claro, nega responsabilidade. Mas os fatos são cristalinos e a Justiça reconheceu o dano. Mesmo assim, a BRF foi condenada a pagar uma indenização de 150 mil reais.
Cento e cinquenta mil reais.
Duas vidas perdidas. A dignidade de uma mulher jogada no chão de uma linha de produção. Sua dor, seu luto, sua história, tudo avaliado, precificado e, de certa forma, minimizado por um valor que mal arranha o caixa de uma empresa que lucrou bilhões no ano passado.
Sabe o que é pior? A BRF saiu no lucro duas vezes: primeiro, quando explorou essa mulher até o limite. Depois, quando foi condenada a uma punição pífia, que em nada altera sua rotina de dividendos e estratégias de mercado.
No Brasil, as indenizações por danos morais são historicamente baixas.
É quase como se a Justiça dissesse: sim, reconhecemos o crime, mas não queremos incomodar muito quem cometeu.
Uma empresa dessa magnitude, com todo o poder econômico que tem, só vai mudar de postura se for obrigada. Se doer no bolso. Se houver consequência real.
Qualquer país decente fixaria uma indenização proporcional à gravidade do ocorrido, não apenas como compensação, mas como exemplo. Um grito judicial dizendo: isso não pode se repetir. Aqui, o que se grita é silêncio.
Não me espanta que isso tenha acontecido no chão de fábrica de uma das maiores empresas do Brasil. O que me espanta é a normalidade com que seguimos tocando a vida depois de saber disso.
Hoje, estou com o coração apertado por essa mulher que perdeu seus filhos em meio à engrenagem desumana de um sistema que ainda vê corpos pobres e femininos como descartáveis.
Não é sobre um caso isolado. É sobre o tipo de país que a gente insiste em ser.