Xereta
Presente de grego
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Eduardo Martínez - Foto Irene Araújo
Para quem desconhece, o Leopoldo, dono da Magnu, a mais afamada oficina mecânica de Sobradinho, é muito apegado a animais, especialmente com aqueles que vivem nas ruas, longe do aconchego de um lar, sem cama quentinha e uma boa ração. O problema é que o sujeito já possui alguns cães, incluindo aí o famoso Caneco, que, não raro, apronta das suas, especialmente com clientes desavisados das artimanhas do danado.
Pois um dos bichos que o Leopoldo resgatou foi parar nas mãos de uma das mais fiéis clientes, a Cícera, dona de uma índole tão paciente, que chega a irritar alguns desafetos. Talvez por isso mesmo é que o dono da Magnu resolveu oferecer a pequenina Xereta, uma vira-lata com seu não mais de meio quilo.
Quer dizer, esse foi o peso quando o mecânico a entregou para a Cícera, que acreditou piamente que a danadinha nem fosse crescer tanto, ainda mais depois que ele disse que a cachorra era mistura de pinscher miniatura e chihuahua. Hum! Só se a mãe ou o pai da criatura tivesse em sua árvore genealógica um dogue alemão ou fila brasileiro.
Mas tudo bem! Afinal, depois que o amor se entranhou, a agora gigantesca Xereta já havia se tornado parte da família. E ai de quem falasse que a focinhuda era feia. No entanto, o problema não era esse, já que a grandalhona parecia ter entrado na fila da beleza umas cinco vezes. Eita, bicha danada de bonita!
Xereta, apesar de nascer com a beleza da Sônia Braga e da Tônia Carrero do mundo canino, certamente era descente de um castor. É que a cadela adorava roer. Pois roeu a cadeira do Oscar, marido da Cícera. Roeu aquele negócio que a gente põe na porta para não entrar bicho. Ah, também já roeu o ar-condicionado todinho. Roeu até a escova de dente, ficou só aquela parte sem as hastes. Ih, não serve para mais nada, nem mesmo para escovar boca de banguela.
Sem ter mais a quem recorrer, lá foi a Cícera, cuja paciência deve ter tirado férias prolongadas, ligar para o Leopoldo.
— Leopoldo!
— Cícera?
— Sim!
— Você está bem? Por que está gritando?
— Leopoldo, seu cachorro! Eu te mato!
— Ué, por quê?
— Aquela demônia!
— Demônia?
— Sim! Aquela diaba!
— Diaba?
— Sim! Tudo culpa tua!
— Cícera, mas de quem você está falando?
— Daquela tua cachorra miserável! Seu mentiroso de uma figa!
— Você tá falando da Xereta?
— E de quem mais poderia ser, seu cretino?
— E o que aquela bolinha de pelos poderia ter feito pra te deixar assim, minha amiga?
— Bolinha de pelos? Pois aquela coisa parece mais uma bola de neve, que só sabe crescer, crescer, crescer e roer, roer, roer, roer tudo. Roeu até o tênis novinho do Oscar, que ele trouxe dos Estados Unidos e nem havia usado. Roeu a casa toda!
— Ah, Cícera, mas é só dar um osso pra Xereta, que ela para de roer.
— Osso? Só se for osso de dinossauro, seu filho de uma égua!
— Calma, Cícera! Também não é pra tanto, né?!
— Pois eu vou aí agora mesmo! Você que fique com essa peste!
Bem, o desfecho dessa história ninguém sabe direito. É que o Leopoldo, assim que a Cícera bateu o telefone na sua cara, baixou as portas da oficina e deu férias coletivas para os funcionários. Parece que a Magnu só volta a funcionar depois do Réveillon.
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Eduardo Martínez é autor do livro ’57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’ (Vencedor do Prêmio Literário Clarice Lispector – 2025 na categoria livro de contos).
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