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Califa, o valentão

Prisão de franzino faz machão repensar a vida

Publicado

Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto de Arquivo

A confusão tomou conta do bar. Califa, no alto de quase 1,90 m, bateu forte com a mão sobre a mesa de vidro. Ela se partiu como se fosse folha de papel de seda. Abaixou-se e catou um caco do chão, levou-o à boca, mastigou-o. O sangue escorreu pelos lábios. Esbravejou: Já puxei cana no Central!

Músculos talhados na dureza da vida, aquele homenzarrão sabia apanhar e, melhor, batia com gosto. Apesar de alguns que já estavam mais que calibrados pelo líquido da coragem, ninguém teve ímpeto de encarar o valentão. Pra que ter um nariz quebrado por quase nada? Todos deixaram o falastrão esbravejar, até que, cansado da própria voz, Califa se recostou na parede ao lado e, não tardou, adormeceu.

Já quase meio-dia, foi despertado por um dos tantos vira-latas do bairro Menino Deus, que lhe lambeu o rosto sem a menor cerimônia. Soltou um arre na certeza de que iria desferir um murro no intrometido, mas, diante daquele ser com cara de cachorro, abriu o maior dos sorrisos. Era o Caramelo, um dos mais pulguentos da região.

Com algum esforço, o homem ergueu-se sustentado pela parede. No bar, apenas o velho Inácio, que fazia a faxina. Califa não teve coragem de encará-lo e tratou de sair o mais rápido possível do local. Foi acompanhado por Caramelo até a esquina. Todavia, o cachorro, talvez percebendo que nada receberia além de afagos sem futuro, tomou outro rumo.

Enquanto caminhava, Califa tentava se lembrar do ocorrido na noite anterior. A boca ardia por conta dos cortes. Sentiu o gosto de sangue, que também se via presente, mas seco, na mão esquerda. Que diacho teria acontecido? Alguma contenda? Na certa com um adversário respeitável. A memória insistia em não lembrá-lo do papelão que ele havia proporcionado na noite anterior.

O homenzarrão, de repente, estacou, assustado com a sirene de duas viaturas policiais. Ele apenas acompanhou os dois carros, que pararam logo adiante. Os policiais desceram rapidamente e correram em direção a um rapaz, que tentava driblar os transeuntes, até que, desequilibrado, tropeçou e foi direto com a cara no chão. Ainda atordoado, foi algemado e arrastado até o cubículo do camburão.

Califa, olhos arregalados, observou aquela cena. Um arrepio correu por toda a sua espinha. Ser preso era seu maior pavor. Ele não conseguia nem imaginar a vida de alguém atrás das grades. Aquilo não era vida para ninguém, ainda mais para ele, acostumado a comer broa de milho nos finais de semana.

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