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Ione e Elenice

Pum encerra mistério do celular madrugador

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Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Reprodução

Elenice e Ione eram tão amigas, que pareciam irmãs siamesas, de quão grudadas eram desde sempre. Isso mesmo! Desde sempre! Desde os longínquos tempos, quando suas respectivas mães deram à luz na mesma quadra, na mesma maternidade, no mesmo dia e, pasmem, quase ao mesmo tempo. É verdade que Elenice nascera dois minutos antes, o que a tornava a mais velha da dupla.

Por mais uma dessas coincidências da vida, cresceram sob os mesmos pilotis, onde brincaram com as mesmas crianças no mesmo parquinho ali perto. Estudaram naquela velha escola, que há tempos fora quase nova. Namoraram alguns rapazes da vizinhança, mas nada além de namoricos sem grandes consequências. Isto é, alguns corações partidos sofreram aqueles sofrimentos de adolescentes, como se Elenice ou Ione fossem a garota da vida de algum rapaz mais romântico. Que nada! As duas preferiram outros ares e, por isso, acabaram se casando com os pretendentes de outra quadra.

Orival foi o sortudo que conseguiu levar a bela Ione para o altar. Não que ele a tenha escolhido, mas justamente o contrário, como sempre acontece. O rapaz até imaginou não ter qualquer chance com aquela beldade. Sorte dele que ela se encantou por sua aparência nada além de comum. Sim, não havia qualquer atributo que pudesse distingui-lo dos demais. Era bem-humorado, é verdade! Talvez tenha sido isso mesmo que a atraiu, já que ela sempre gostou de dar boas gargalhadas.

Por sua vez, Elenice se simpatizou com o Joca, que, por acaso, era muito amigo do Orival. Seja como for, o quarteto começou a ser visto nos eventos da cidade. Os pais de Ione e Elenice logo quiseram apressar o casório, antes que os ímpetos daqueles jovens pudessem dar o que falar. Não demorou, e foi o que aconteceu. O casório! Afinal, Ione e Elenice eram moças de família.

Depois das núpcias muiito badaladas, os dois casais voltaram para suas origens. Moraram na mesma QSL, em casas quase uma em frente à outra. Enquanto as agora jovens senhoras cuidavam dos afazeres domésticos, eis que os maridos iam trabalhar no mesmo local daquela satélite.

Joca, apaixonado por uma boa porção de feijão, sofria com os gases. Em casa, ele fazia o maior esforço para segurá-los para manter a harmonia no casamento. Quem sofria era o Orival, já que o amigo não fazia qualquer cerimônia para soltá-los no trabalho. Acabou se acostumando. Não que gostasse! Todavia, suportava porque eram amigos.

Elenice e Ione engravidaram quase ao mesmo tempo. Os bebês nasceram no mesmo dia, na mesma maternidade, quase ao mesmo tempo. Alberto, filho de Elenice e Joca, nascera dois minutos antes do Rafael. Obviamente que esses dois molequinhos cresceram quase grudados. Aliás, até dizem que o Alberto, sempre brincalhão, gostava de dizer que era o irmão mais velho do Rafael.

O tempo foi passando muito depressa a partir de então. As crianças logo se transformaram em adolescentes, que, em seguida, viravam adultos quase responsáveis. Mudaram para o Plano Piloto, onde foram arrumar novas oportunidades de emprego, casaram, tiveram seus próprios filhos.

Enquanto isso, as duas amigas continuavam grudadas. Envelhecidas, é verdade, mas nem por isso deixavam de se ver diariamente. Até que, sem nem mesmo avisar para a quase irmã, eis que a Elenice fechou os olhos e nunca mais acordou. Ione, extremamente desolada, ficou sem chão. Antes tivesse ficado viúva, chegou a pensar. Mas não foi o caso, mesmo porque continuava apaixonada pelo velho Orival, agora com seus quase 80.

O enterro foi em uma triste manhã chuvosa. Joca estava extremamente tristonho, Ione, então, não conseguia acreditar que nunca mais iria ter a companhia da Elenice. Orival ora consolava a esposa, ora ia dar um abraço no viúvo.

Já havia se passado quase um mês da morte de Elenice, quando Ione e o marido estavam na cama, adormecidos por conta do avançar da noite, que deu lugar à madrugada. De repente, o celular da Ione toda. Ela se vira, ainda sonolenta, e vê quem poderia ser àquela hora. Para seu espanto, é o número da Elenice. Paralisada, ela não sabe se atende, até que Orival acorda com o barulho.

– Quem é que está ligando a essa hora?

Ione aponta para o nome de Elenice na tela do aparelho celular. Orival também fica sem entender aquilo e, finalmente, pede para a esposa atender. Ela atende e coloca no viva voz. Sons estranhos são ouvidos pelo casal, que arregala os olhos. Seria a Elenice telefonando do além? Até que outro som, ainda mais estranho, chega aos ouvidos de Ione e o marido. Orival sorri, vira-se e, antes de fechar os olhos, acalma a esposa. Ele havia descoberto o mistério.

– Provavelmente o Joca guardou o celular da Elenice e, sem querer, enquanto roncava, deve ter apertado a tecla pra ligar pra você.

– E como é que você descobriu isso, Orival?

– Ah, esse pum eu conheço!

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