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Donos da toga

Puxão de orelhas no Supremo, que pensa ser Deus

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Autor/Imagem:
Marcos André Sarques*

Brasil, de abril de 2021. Ao Senhor Judiciário. Sob os cuidados do Supremo Tribunal Federal. Caríssimo Senhor! Eu espero que esta, ao chegar na vossa mão, o encontre em melhores dias.

Aqui estou indo como as coisas permitem. Tem dias que não sei se devo avançar, se devo esperar, ou se devo agir tomando alguma atitude mais firme diante das adversidades que ora se apresentam.

Já até me estimularam a desistir, deixar pra lá, ir conforme a maré, pois não tem mais jeito de viver nestas terras que, coincidência ou não, hoje fazem quinhentos e vinte e um anos que uma parte de mim chegou aqui.

Olha, meu senhor: mesmo com tantas dificuldades, mesmo eu não sendo tratado com o respeito que mereço, eu já disse: “desistir jamais!”. Eu acredito que um dia as coisas vão melhorar. Eu tenho lutado para isso. Sou de muita Fé!

Ilustre Senhor, poderia aqui escrever-lhe sobre tantas coisas, tais como sonhos que tenho; sobre o que já conquistei; sobre as minhas dores, angústias e anseios, mas o motivo desta carta não é falar de mim, sobre o que estou passando. O motivo é, realmente, saber como vão as coisas com o senhor.

Tenho andado muito preocupado. Confesso. Ouço todos os dias coisas sobre o senhor que não são tão boas. Falam que o senhor tem se esquecido das tuas obrigações e tem se enveredado por caminhos que conflitam com os outros dois personagens que são cria minha, e que devo todo o meu respeito e admiração, pois me representam.

Bem: digo que eles me representam, mas também tenho ouvido acerca deles coisas que têm me desagradado – principalmente de um que ficou incumbido de legislar sobre assuntos que tragam a mim segurança, estabilidade, amplitude de horizonte, enfim…o senhor saber; esses assuntos que são tão importantes para que eu possa continuar me desenvolvendo.

Pois bem. Nesta carta a minha preocupação não é com eles, mas sim o com o senhor.

Por isso me achego ao senhor com essas linhas escritas de forma simples e sem muito rodeio, para lhe dizer mais uma vez: ando muito preocupado com o senhor! Não sei se tenho como ajudá-lo.

Um dia me disseram que quando a gente gosta de alguém a gente não esconde dela nada, e por essa razão vou lhe dizer: “não estão falando nada bem do senhor”.

Tenho ouvido, diuturnamente, tantas coisas ruins a teu respeito, que me pego a pensar que se o senhor não se atentar aos acontecimentos que orbitam o teu gabinete, diga-se de passagem: aconchegante, com ar condicionado, serviçais e tantos outros benefícios que o senhor tem e que eu não tenho, olha, poderás ser surpreendido a qualquer momento e quanto te atentares aos acontecimentos será tarde.

Além disso, esses dias mesmo me contaram que o senhor não anda muito bem da cachola.

Oh, me desculpe! É meu jeito de falar – não sou tão polido, vou melhorar. Enfim, me disseram que o senhor está sofrendo das memórias, está doente da cabeça (essas doenças que dá na mente da pessoa e que faz ela se esquecer das coisas); inclusive, me disseram que o senhor já não se lembra daquele livrinho de cabeceira que escrevi com tantos esforços e lhe dei de presente lá pelos anos de 1988 que me dissestes que cuidaria muito bem dele. Vou falar para o senhor, meu coração ficou triste. Mas vamos lá…

Tem uns outros que me contaram que o senhor está precisando de dar uma renovada no figurino. Dar uma melhorada na aparência. Sabe como é que é: o tempo passa, a gente vai ficando idoso (É! Não se pode falar que está ficando mais velho. Tem que falar “idoso”), e que o senhor já não está se olhando mais no espelho. O senhor entende, né?

Mas olha bem: o que mais me deixou pensativo dessas conversas que ouvi, foi o fato de terem me falado que o senhor anda tendo conflitos internos, o senhor não está se acertando consigo mesmo, anda instável. Não sabe se vai pra lá ou pra cá. Isso é grave!
Meu caro senhor, te considero meu amigo. Não sei se é recíproco, mas te considero um amigo, amigo especial.

Por que especial? Porque é a ti que recorro quando meus direitos são lesados. É a ti que rogo que a minha dignidade seja respeitada. É a ti que que recorro quando o que está naquele livrinho que lhe dei em 1988 – escrito com muita luta, suor e sangue – é tolhido de mim.

Agora, quando me dizem que o senhor tem mudado muitas coisas que lá estão, sob alegações que os tempos são modernos, me entristece muito; pois isso me faz sentir desamparado, abandonado e fraco. Foi por isso que no começo desta carta eu escrevi: “…que não sei se devo avançar, se devo esperar, ou se devo agir tomando alguma atitude mais firme diante das adversidades que ora se apresentam”. O senhor entende, né?

Prezado Senhor, vou lhe dizer uma coisa e espero que guardes no teu coração estas palavras: “preciso muito que o senhor esteja bem de saúde, para que possas me proteger, fazer valer os meus direitos, fazer cumprir o que está contido naquele livrinho de 1988 – que quando lhe dei de presente me depositei nas tuas mãos, na esperança que me protegesse daqueles que queriam e querem usurpar os meus sagrados direitos.

Não me entendas mal, eu tenho o senhor como meu amigo!

Eu já vou encerrar, pois sei que o senhor tem muitos afazeres e ter que ler esta carta pode tomar o teu tempo. Me desculpe!

Não poderia deixar de lhe falar que me disseram que os outros dois amigos – Senhores Executivo e Legislativo – que eu sei que estão na mesma posição de poder, não andam de bem com o senhor.

Cuidado! Lembre-os que os senhores devem viver em perfeita harmonia, convivendo com urbanidade e respeito, pois um não existe sem o outro e os três não existe sem mim.

Tenho muito para lhe escrever, mas por hoje paro por aqui e assim, finalizando, estimo dias melhores, aguardo resposta e declino minhas escusas pelo tempo que terás que gastar para ler esta carta e refletir sobre o que nela está contido.

Cordiais saudações.

Povo brasileiro.

*Professor, advogado pós-graduado em Direito Internacional, Direito Processual e Direito Empresarial

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