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Casos extremos

‘Fake news’ transforma a vida de pessoas comuns em tragédia

Publicado

Autor/Imagem:
Pedro Nascimento, Edição

O que ia ser um passeio pelo campo para Nilotpal Das e seu amigo Abhijeet Nath, dois jovens indianos, acabou em tragédia quando foram linchados, ao se transformarem em vítimas de falsos rumores na internet.

Na casa dos pais de Nilotpal, em Guwahati, a capital regional do estado de Assam (nordeste da Índia), o móvel da televisão na sala se tornou há um mês um memorial de seu filho, engenheiro de som. Seus retratos mostram um jovem extrovertido e cosmopolita que tinha acabado de completar 29 anos quando foi morto.

“As redes sociais podem ser benéficas para a sociedade, mas também podem prejudicá-la”, diz Gopal Chandra Das, vestido com uma túnica branca de luto pela morte do filho.

Assim como aconteceu com os dois amigos de Assam, os rumores virais no Facebook e WhatsApp sobre supostos sequestradores de crianças custaram a vida de cerca de 20 pessoas, linchadas por toda a Índia nos dois últimos meses, segundo cálculos de meios de comunicação locais.

Localidade deserta – Em 8 de junho, Nilotpal e Abhijeet, um empreendedor de 30 anos, partiram em um 4X4 para o distrito de Karbi Anglong, de maioria tribal e a três horas de Guwahati. Suas cachoeiras são uma atração turística regional.

Nilotpal “gostava de ouvir o som da natureza para encontrar inspiração para sua música”, conta seu pai.

Mas eles não sabiam que havia alguns dias circulavam pela região notícias falsas sobre traficantes de crianças, de celular em celular. Nesta área isolada e economicamente desfavorecida, com poucas fontes de informação, as redes sociais são uma espécie de boca a boca moderno.

Ao entardecer, os dois turistas relaxavam junto a um córrego quando um aldeão os abordou e iniciou uma discussão por motivos desconhecidos. Perseguidos, os jovens foram embora rapidamente, mas o homem alertou o povoado seguinte, a três quilômetros dali.

“Disse que dois homens tinham sequestrado uma criança e estavam se aproximando do local, que era necessário interceptá-los”, relatou à AFP Gulshan Daolagupu, vice-comissário de Karbi Anglong, mostrando o lugar onde o veículo foi parado.

O estado do veículo, com os vidros destroçados, o capô deformado, equipamentos saqueados e assentos estripados, mostra a selvageria do ataque, com golpes de bambus, foices e pedras por parte de uma multidão histérica.

Convencidos de terem matado os sequestradores de que tinham ouvido falar por WhatsApp, os participantes difundiram vídeos do linchamento na internet, imagens que chocaram toda a Índia.

A investigação tenta determinar se o suspeito na origem do caso, um motorista de táxi coletivo de 35 anos, realmente acreditava que havia motivos para se preocupar ou se instrumentalizou este rumor com fins perniciosos. Há cerca de 50 pessoas detidas por este linchamento.

“Se não existissem as redes sociais, nada disso teria acontecido”, aponta G V Siva Prasad, chefe de polícia de Karbi Anglong.

Um mês depois dos acontecimentos, a localidade de Panjuri Kachari está quase deserta. Só há mulheres, crianças e idosos, já que os homens estão atrás das grades ou foragidos.

“Medo do outro” – Os linchamentos motivados pelas informações infundadas ou maliciosas não são um problema novo, mas a chegada dos smartphones a zonas mais afastadas na Índia permite uma propagação desenfreada das “fake news”.

No entanto, para que estes rumores cheguem a matar, devem se somar a tensões sociais ou políticas já existentes.

Na opinião do pesquisador Abdul Kalam Azad, o linchamento de Karbi Anglong se inscreve no contexto particular de Assam, mosaico de etnias regularmente sacudido pelos confrontos entre comunidades. As diferentes partes alimentam um “medo do outro” que semeia o terreno para a paranoia.

“Assam conhece a violência há bastante tempo. As ‘fake news’ tornam essa situação de conflito mais perigosa, mais violenta, e agora isso ficou claro”, declarou à AFP este especialista da região.

O caso de Nilotpal Das e Abhijeet Nath teve um especial impacto na Índia. As duas vítimas simbolizam uma certa classe média urbana, acomodada, viajante e aberta ao mundo, às vezes atingida pela crua realidade de seu país.

“Todo mundo diz ‘poderia ter sido o meu filho, poderia ter sido eu’. Isso impressiona as pessoas, pensar que qualquer pessoa inocente poderia ter morrido neste ataque selvagem”, aponta Ittisha Sarah, uma das amigas dos jovens de Guwahati, com lágrimas nos olhos.

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