Pcto com a escrita
Quando a noite cai sobre a cidade nos traz os sons que pulsam vida
Publicado
em
A noite cai por sobre a cidade, minha equipe se retirou e o escritório está quase vazio, exceto por mim, na mesa de trabalho sob uma luz fraca e amarela. Todas as outras lâmpadas se encontram apagadas e eu, sozinho, no meu canto azul, tendo ao lado um velho rádio ligado numa estação que traz notícias de um lugar distante e, sobre ele, a foto de Augusto Frederico Schmidt, meu poeta preferido, tomando um cafezinho, com olhos que parecem me convidar a uma conversa íntima.
Como faço quase sempre, desligo o ar-condicionado e abro as grandes janelas de vidro para deixar entrar o ruído que vem da rua. Esse ruído, que até aqui chega débil, é o testemunho da vida que pulsa por aí, alheia a mim por completo. Milhares e milhares de seres, buscando o caminho de volta a casa após um dia de trabalho, ou saindo, ainda, para as obrigações restantes. Quase ninguém me conhece, sou um anônimo, embora lá fora, misturados aos outros seres desta avenida imensa, deste bairro imenso, desta cidade imensa nesse país imenso, alguns há aos quais tenho o privilégio de contabilizar entre meus leitores.
É a estes que me dirijo a esta hora, pensando em escrever umas poucas linhas que lhes sejam úteis – seja promovendo um pouco de distração, um breve refrigério em meio à faina diária, ou apenas proporcionando uma reflexão aleatória.
Não sei, exatamente, qual é o alcance dos meus textos. Em meu suposto ofício de escritor e poeta, me legitimo mais sendo lido do que escrevendo. E, mesmo se ninguém lesse, eu continuaria deitando sobre o papel essas vagas linhas que me aliviam o coração e o pensamento.
Lembro-me do que comentava outro dia com um amigo, o poeta Guilherme de Queiroz C. da Rocha, enquanto recebia uma dedicatória no seu excelente livro “Esta leitura é gratuita”, nos jardins do Palácio do Catete: na minha idade, Schmidt já havia escrito cerca de oito relevantes livros de poesia. Eu ainda estou pensando no meu segundo. Não almejo, é claro, a posição que teve o meu poeta amado – e ele mesmo confessava ter conseguido muito menos do que almejava – mas é sempre bom saber que deixaremos algo para a posteridade nas páginas de um livro de poemas. Vaidade? Não sei. A insistência em permanecer e ser eterno, mesmo quando ausente, é uma teoria mais provável.
Gostaria de escrever bem mais do que consigo, tanto em poesia quanto em prosa, esta última na forma dos meus contos e crônicas que, de vez em quando, saem aqui em Notibras. Mas nem sempre a inspiração vem me dar seu afago generoso.
Por só escrever de vez em quando e se estou inspirado, não me considero um autor profissional. Para escrever por obrigação, já me basta o que faço na minha prática de advogado. Nesse ofício, escrever não se trata de nenhum sacrifício. Na grande maioria das vezes, basta sentar-me em frente à tela e o texto vem, fluído, fácil, brota na mente e passa pelos dedos ágeis sobre o teclado – no trabalho, invariavelmente escrevo no computador – por vezes tão extenso, que preciso me conter, resumir, suprimir alguns parágrafos. E estive pensando sobre isso. Consigo escrever muito mais sobre o problema dos outros, sobre direitos, sobre conflitos humanos, sobre insatisfações com decisões judiciais, onde raramente residem poesia ou beleza, enquanto, por vezes, fico semanas sem conceber um verso, um parágrafo de prosa aproveitável.
Escrever poesia e outros textos, tampouco se constitui em sacrifício. Mas não é frequente, não é diário.
Fiz um pacto com a escrita. Eu não desisto dela, e ela não desiste de mim. É tudo uma questão de nos encontrarmos, como se encontra, ao acaso, um amigo na rua, estando-se a caminho de um compromisso importante, ou quando, caminhando-se no meio de uma floresta densa e soturna, olhamos de repente para o alto e, percebendo-nos numa clareira, vislumbramos um céu de inigualável beleza, povoado de nuvens tingidas por raios tênues de um generoso sol que nos enche de inspiração, ternura e gratidão pela vida.
…………………….
Daniel Marchi é autor de A Verdade nos Seres, livro de poemas que pode ser adquirido diretamente através do e-mail danielmarchiadv@gmail.com