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Coveiro de Curitiba

Quem feriu Luiz Inácio a ferro, será ferido por fogo com Lula

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Mathuzalém Júnior* - Foto Jefferson Rudy

Alguns bons pares de anos servindo a três dos cinco tribunais superiores me garantiram um certo conhecimento do Poder Judiciário, principalmente de suas entranhas e de seus bastidores. Digo certo porque não sei e nem quero saber de tudo. Sei o suficiente para afirmar que, embora pouquíssimos se frequentem socialmente, não há inimigos nas cortes. Há – e como – adversários e seguidores eventuais de seus “líderes”. São os casos dos dois mais novos integrantes do STF – Kássio Nunes Marques e André Mendonça -, ambos indicados ministros por Jair Bolsonaro. Isto não quer dizer que a gratidão e a submissão ao patrono sejam eternas. Normalmente (repito que normalmente), o agradecimento pela indicação termina na posse. Às vezes, um pouco mais, mas nunca além do fim do mandato ou do poder do padrinho.

O ex-presidente e ex-senador Fernando Collor de Mello experimentou tal situação. E não foi má vontade ou ingratidão do apadrinhado. A lei, a doutrina jurídica e a jurisprudência do Supremo não permitiam outra decisão. No julgamento do ex-quase tudo, a hipotenusa só se encontrava com os catetos quando Pitágotas estava dormindo. Coisa rara. Como Collor é coisa do passado, vamos nos ater à realidade. Conheço um pedacito, mas poucos conhecem tanto do STF quanto o ministro aposentado Marco Aurélio de Mello, primo de Collor. Detalhes familiares à parte, Marco Aurélio é daqueles ministros que deixam o Supremo, mas o Supremo nunca o deixará. Figura de proa do Judiciário, ele deve acompanhar todos os julgamentos e, acredito, produz um voto para cada uma das questões. Uma pena não poder mais apartear.

Pois bem, semana passada, logo após Deltan Dallagnol ter sido jubilado da Câmara dos Deputados, Marco Aurélio, o senhor voto contrário, adiantou um cenário que parece óbvio desde a eleição. “Justiça ou justiçamento”, ele acha que o senador Sérgio Moro é a bola da vez. “Enterraram a Lava Jato e querem fazer a mesma coisa com os protagonistas. Eu não estaria dormindo bem no lugar do Moro”. Acertados ou não, os votos unânimes contra Dallagnol provam que hoje o ministro aposentado conhece menos do que conhecia do STF. A fila anda, a caravana passa, o mito vira réu, o imutável muda e até o caldo entorna. E assim caminha a humanidade. Quanto a Moro, o rapaz de Ponta Grossa (?), o instigante bastidor revela que quem fere a Lula, com Lula será ferido. Será? Vamos aguardar.

Sérgio Moro teve uma carreira meteórica até chegar ao Senado Federal, em fevereiro deste ano. Eleito em outubro passado, após reiteradas negativas sobre suas pretensões políticas, ele foi mordido pela mosca azul ainda como juiz da Lava Jato, operação envolvendo grande número de políticos, empreiteiros e empresas, entre elas a Petrobras e a Odebrecht. Ganhou dupla notoriedade em 2017 e 2021, respectivamente por condenar Luiz Inácio Lula da Silva e ter sua decisão anulada pelo colegiado do Supremo Tribunal Federal. O STF e a ONU declararam Moro suspeito, depois de o Supremo sentenciá-lo como parcial no julgamento de Lula. Tudo bem que o julgamento foi anulado e a parcialidade de Moro comprovada.

Entretanto, o fato secundário gerado pelo então paladino da moralidade nos bastidores da vara de Curitiba acabou “melando” as eleições de 2018. Com Lula preso, seu candidato perseguido pelas rasuras produzidas pela turma da Vaza Jato, ficou fácil para Bolsonaro se consagrar presidente do fim do mundo com apoio explícito do ex-juiz. Para quem ainda não emburreceu, o registro da parcialidade ficou claro em novembro de 2018, quando Moro aceitou convite para ser ministro de Jair Messias. Deixou o governo pela porta dos fundos, mas a história conta sua peregrinação partidária e a bajulação infantil gratuita ao então candidato que depois o escorraçaria como mandatário. Coisas de quem topa tudo pelo poder. Coveiro de Lula e de ex-aproveitadores do din din público, Moro acabou coveiro de si mesmo. As barbaridades cometidas com a toga tardiamente vieram a público.

Como o bom do caminho é haver volta, apesar de senador da República, o ex-juiz foi devidamente devolvido “para o nada”, conforme avaliação do ministro Gilmar Mendes, um dos maiores críticos do cidadão paranaense. Para um homem público, tido como “sujeito inadequado”, não há nada pior do que virar abóbora em plena safra da maçã, do chuchu e do tomate. Talvez a maior mancha seja a confirmação de que a principal contribuição do governo Bolsonaro para o país foi tirá-lo de Curitiba. São as peças que este mundo vigilante e cruel prega nos falseadores e narcisistas que usam a toga com a preocupação de ser grandioso. A verdade obsessora do ex-magistrado que tudo fez para culpar e prender Luiz Inácio virou pó. A brincadeira ficou séria. Apesar do voto contrário de Marco Aurélio, Gilmar Mendes não deixará barato. Que assim seja!

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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