Proliferar salva
Reclamar vira febre nacional, e farmácia, que tem o que cura, vira alvo
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De vez em quando, alguém solta aquela crítica clássica: “agora tem uma farmácia em cada esquina, que exagero!” E fala com a autoridade de quem acabou de fazer um dossiê da urbanização nacional e descobriu que as farmácias estão prestes a dominar o planeta. A impressão que dá é que essas pessoas esperavam um parque temático no lugar, ou talvez uma confeitaria francesa com vista pro mar, ali na esquina da padaria do Zé.
Mas a verdade, minha gente, é que talvez o problema nem seja a farmácia. Talvez o problema seja o prazer oculto de reclamar. Reclamar é quase um hobby nacional. A pessoa reclama da falta de farmácia, depois reclama do excesso. Reclama do calor, do frio, da chuva e da seca. Se ganhasse um prêmio, reclamava que veio sem embalagem. E olha, eu nem julgo. Reclamar é terapêutico, às vezes substitui até o remédio. Mas ainda assim… eu tenho que confessar: eu, sinceramente, acho que tem poucas farmácias. Pouquíssimas.
Quer dizer, a pessoa acorda com o intestino em estado de rebelião, o nariz entupido, a garganta parecendo uma lixa, e você quer o quê? Que ela cruze três bairros e uma avenida com radar pra comprar um Neosoro? Quando é tarde da noite e você se dá conta de que acabou aquele remédio de uso contínuo (aquele que você deveria ter comprado há dois dias, mas ficou adiando porque aparentemente acreditava na cura espontânea), tudo o que você quer é atravessar a rua. Literalmente atravessar. Sem calçar sapato. Sem lavar o rosto. Com a cara da derrota e o pijama do pinguim.
O doente não quer uma vista bonita da farmácia. Ele quer proximidade. Quer entrar com a dignidade que restou e sair com a bula e a esperança de uma vida melhor. Então, sinceramente, se quiser abrir mais uma farmácia na minha rua, fique à vontade. Se quiser abrir uma na garagem do meu prédio, eu até cedo a vaga. Afinal, nunca se sabe quando o refluxo vai resolver atacar com gosto.
Então da próxima vez que alguém disser “nossa, mais uma farmácia?!”, sorria com compaixão e diga: “sim, mais uma. E graças a Deus.”