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Rei morto, rei posto

Reconciliação entre Bolsonaro e Brasil é pesadelo improvável

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Mathuzalém Júnior* - Foto Joedson Alves

Luiz Inácio presidente, golpe fracassado, democracia consolidada, poderes de mãos dadas em torno da unidade nacional, bolsonarismo agonizando e povo unido pela paz e pela ordem no país. Tudo parece conspirar a favor. Nem tudo. O fantasma de Jair Messias ainda ronda o palco iluminado da República. Sob o argumento de coordenar a extrema-direita, o ex-quase nada fala em retornar. Não acredito, principalmente porque seu futuro de liberdade depende de Xandão e de mais oito dos dez ministros restantes do Supremo Tribunal Federal. Líderes da minoria, os outros dois votam cegamente com sua desexcelência. Judicialmente, o Brasil e o mundo sabem que, pouco mais de um mês após os atentados terroristas, as investigações avançam e se aproximam cada vez mais de Bolsonaro.

Nada de anormal, na medida em que, desde janeiro de 2018, o golpe vinha sendo articulado pelo mito e por seus seguidores mais fanáticos, os abnegados adeptos do regime dos talibãs. Voltar e correr o risco de ser condenado ou ficar e virar chacota internacional. Eis a questão. Para a revista norte-americana Time, a estada do Jair em solo estadunidense é um “espetáculo bizarro”. Ainda não está claro o que Bolsonaro quer nos EUA, mas sua presença já gerou questionamentos para o governo de Joe Biden, mesmo que Tio Sam seja mundialmente conhecido por refugiar personagens excêntricos, carnavalescos, doidões e perversos. Cada país tem o refugiado que merece.

E nosso fujão continua peitando o bom senso. E isso com a “permissão” de Lula da Silva, dos ministros de Estado e dos tribunais superiores, da imprensa e da sociedade, que insistem em, bem ou muito mal, falar dele. Uma pena, pois a lógica estabelece que rei morto é rei posto. O ditado é mais relevante quando lembramos que ele (o reizinho de Curicica) foi morto pelo voto soberano, livre, secreto e destemido de 60,3 milhões de brasileiros. Portanto, mesmo que tardiamente, é chegada a hora de derrubar o palanque do Jair. O ideal seria que voltássemos a falar dele quando Xandão determinasse seu futuro. Na verdade, sua futura residência. Não devemos considerar o otimismo do senador Flávio Bolsonaro, o filho 02, para quem o pai ganhará qualquer eleição que disputar a partir de seu retorno.

Muito interessante! Mais interessante é lembrar que ele não foi reeleito. Fragorosamente derrotado, perdeu o prestígio, boa parte do capital político e, pior, se vê incapacitado de novamente aglutinar os indecisos, também conhecidos por antipetistas, responsáveis diretos por sua eleição em 2018. Alguns analistas afirmam que punir Bolsonaro por golpismo pode frear o Brasil miliciano que ele criou. É uma incógnita, embora, além da contribuição para a morte de quase 700 mil pessoas por conta da Covid 19 e da articulação do golpe, ele e seu entorno tinham pleno conhecimento da situação de miséria do povo Yanomami. Ou seja, um duplo genocídio e um levante quase perfeito. Costumo ter sonhos pesados, mas não gosto sequer de pensar em ideias absurdas.

E se ele tivesse sido eleito? Deus nos livrou desse terrível pesadelo. Hoje, com Xandão nos calcanhares do ex, os patriotas de araque estão a ponto de arrancar as calças pela cabeça. Entre eles e via redes sociais dizem que punir o Jair é vingança dos esquerdopatas. Não é, mas, se fosse, seria das mais merecidas para quem atentou contra a democracia, feriu de morte a República e deliberadamente vandalizou os poderes. É pouco? Do ponto de vista político, pessoal e institucional, dificilmente haverá reconciliação entre Bolsonaro e o Brasil que ele abandonou, vilipendiou e quase levou à falência. É um pesadelo improvável, mas caso ocorra, o povo brasileiro já sabe o que fazer para acordar feliz.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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