Epílogo
Redcap reflete sobre passado e tem consciência dos erros cometidos
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Redcap abriu os olhos e se viu na Rua Daniel Marchi novamente. Os raios solares davam início a um novo amanhecer no centro da cidade. Pequenas poças d’água refletiam a imagem turva dos edifícios antigos.
Empenhado em voltar para a sua realidade, Redcap rapidamente virou-se de costas, animado, consciente das escolhas erradas que tomou e da maneira como encarou a vida. Sorriu para a consciência e pegou em sua mão com gratidão.
– Muito obrigado, minha consciência. – ele balançava freneticamente a fina e frágil mão da entidade. – Sem você eu não teria enxergado minha vida como estou vendo agora. Eu errei, confesso, e já sei como corrigir tudo. Eu tinha o que precisava nas mãos, mas eu tinha medo de usar e…
Um silêncio se fez no ar. Ele parou de falar, porque naquele momento se deu conta do que havia ignorado assim que chegou ao local. Na sua frente, consciência, pálida como a neve, sorriu com breve consolação, como se estivesse escolhendo expressar uma feição de piedade e esclarecimento simultaneamente.
Ela notou que ele havia visto. Esperava que fosse se espantar, como fez outrora em todas as suas expressões, dentro da viagem na memória. Colocou sua mão sobre o boné dele. Ele não permitiu. Não queria que fosse ela a retirar. Tirou o acessório de sua cabeça pessoalmente, deixando evidente seus cabelos.
– Não vai olhar? – perguntou, com a serenidade de sempre inerente a ela.
– Não. Eu me recuso. Logo agora? Por que tudo isso, então? – ele indagou, com os olhos vermelhos e a face de indignação.
– Para todos, há um tempo. – ela disse, abrindo os seus braços com leveza – E agora, Redcap, esse é o seu tempo. Tempo também de saber o propósito.
Ele ficou inerte. Não exibia desespero nem pavor. Apenas confusão, em detrimento da cena que avistou. Entendeu naquele momento que tudo não passou de uma expiação da alma, mas não para uma redenção propriamente falando. Era uma lição moral antes de se despedir e entender o quão breve e sutil pode ser a criatura humana.
– Você fumou demais, Redcap. – ela disse, enquanto andava lentamente pela calçada, ao passo que o sol iluminava ainda mais a sua presença imponente. – Você acalmou o seu espírito antes de vir, em definitivo, comigo. Não guarde esses pesares. O que foi feito, foi feito. O que foi aprendido, foi aprendido.
– Você não era minha consciência… – ele comentou, com tom conclusivo, enquanto levava os dedos até a boca.
– Não. Eu sou aquela que todos irão encontrar. Desde o início dos tempos até o fim deste e outros Universos. Eu serei aquela que acompanhará a todos em seus pontos finais e, quando chegar o último capítulo, colocarei o ponto definitivo para o fim do livro do destino.
Certa paz acometeu Redcap ao analisar aquele cenário. Alguns pássaros cantavam. Podia-se avistar ao longe alguns trabalhadores chegando até algumas lojinhas, que estavam fechadas. Abriam com fervor, para mais um dia de trabalho, com fé e paixão. Chegavam aos poucos, no horizonte, dando uma nova vida ao ciclo diário.
– Então, é um ciclo, né? Foi isso que deu pra fazer?
– Você foi um bom filho e um ótimo trabalhador. Seu coração acalmou-se e você entendeu o que precisava, até mesmo em seus deslizes em seu relacionamento. Todos os dias, todos os momentos, eu vejo esse tipo de coisa.
– Mas por que você está unicamente comigo aqui e agora? – indagou
– Eu estou em muitos lugares, em diferentes tempos, perto de muitas pessoas. Todos são importantes, Redcap. – ela estendeu a mão para ele.
– E como é do outro lado? – ele fez a pergunta que valia milhões.
Ela não respondeu. Sorriu, puramente porque quis sorrir, evidenciando seus lábios intocados. Manteve a mão estendida. Fitou seus olhos. Ele ao menos pensou que, se fosse pra partir, que ao menos iria ter a bela vista do Alvorada enaltecer aquela figura tão bela e tão divina.
Rafael pegou em sua mão. Ouviu o som de asas e tudo ficou branco. Antes, pelo menos, demonstrou sua maturidade, deixando um boné vermelho se esvair, como símbolo de despedida ao seu eu anterior. Uma forte luz brilhou embaixo da marquise. Depois, as duas figuras sumiram. Não se viu mais nada.
Na Rua Daniel Marchi, os primeiros trabalhadores e os moradores locais dos edifícios longevos denunciaram um corpo estirado no chão. Um homem de aparentemente trinta anos, usando um boné vermelho, havia falecido no local. Logo as autoridades chegaram para apreciação do caso. Muitos comentaram sobre a triste cena que avistaram, enquanto outros demonstraram distância e indiferença. Alguns, ainda, disseram que sonharam com coisas estranhas naquela madrugada.
Ela, decerto, observava-os de todos os cantos, aprendendo com suas vidas mundanas e aventuras temporárias. Todos um dia se aventurariam na margem de sua própria consciência até o adeus definitivo da carne. Até o adeus sob o som de suas asas.
Fim