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Parábola do Apocalipse

Reis do Cala Boca, Plenário e Togas ameaçam o povo

Publicado

Autor/Imagem:
Ka Ferriche

Vem de um tempo não identificado a parábola dos três reinos aloprados. Diz a lenda que naquele palácio, sede do primeiro reino, às margens do belíssimo lago que refletia o céu como um espelho bizotado, caminhava um rei e seu cão. Ele jogava um osso e observava o percurso feito pelo animal em disparada. Ofegante, o cão retornava com o osso, já exausto pelo clima seco da região. “Vai, de novo, pega, pega!” – gritava o rei.

Um de seus súditos imediatos, chocado com a cena, interveio: “Majestade, esse animal vai morrer dessa forma…” O rei parou, mirou o súdito que caminhava ao encontro do cão e usou de sua autoridade: “Não toque nele! Esse cão vive querendo me morder, é desobediente e agressivo. Vagabundo! Há, há, há, para onde eu jogo o osso, o idiota vai atrás!”

O súdito retornou, deixando o animal ofegante deitado no amplo gramado. “Meu rei, assim ele vai morrer…” – disse o subalterno. Mais uma vez o rei olhou fixamente para o auxiliar e nova reprimenda: “Deixa ele aí, esse cão não morre, pitbull desgraçado, vive querendo me morder. E você está proibido de dar comida pra ele!” Então, como último recurso, o súdito fiel suplica ao rei: “Majestade, então posso levá-lo ao canil?” Após a concordância de sua majestade, o auxiliar chama o animal ao canil: “Vamos, Globo, vai pra sua casinha, vai…”

O rei então, como de hábito, reúne a família em torno da mesa do palácio para o breakfast. “Primeiro príncipe, qual foi o cartaz que você espalhou hoje no reino?” Prontamente, o filho preferido responde, abrindo o pergaminho: “Passamos a noite distribuindo este, que vai destruir a reputação dos nossos inimigos.” O rei olha atentamente e solta uma gargalhada: “Há, há, há, muito bom, muito bom! – dá umas porradas na mesa – Mas peraí… esse duque pertence ao nosso reino. Não estou entendendo…”

Pacientemente o Primeiro Príncipe argumenta: “Esse Duque, na realidade, é um espião do reino vizinho.” O rei interrompe: “Qual dos dois? Ambos querem nos destruir! Vagabundos!” O príncipe conclui: “É um infiltrado da turma que vive nas duas ocas esquisitas, mas tem gente do outro reino envolvida também, aqueles da távola.” O rei faz uma pausa, reflete, e despacha: “São todos contra nós, embora a coroa seja nossa. Então vamos fazer uma fogueira bem grande, que ilumine nosso jardim e queime a alma desses invasores. E como anda a peste negra que está atingindo nossos súditos?”

Nesse momento, o Segundo Príncipe responde: “Não podemos fazer muita coisa, tem morrido muita gente, mas os condados resolveram cada um fazer o que quiser, com o apoio do pessoal da távola. Eles espalharam no nosso reino que quem manda agora são eles, que o reinado agora é deles.” O rei enrubesce, irritado: “Com o apoio de quem? Quem conduziu aqueles traidores ao trono? – faz uma breve pausa e conclui – Terceiro e Quarto Príncipes, estão dispensados. Tragam meu cavalo!”

No segundo reino, aquele das ocas esquisitas, uma virada para cima e outra para baixo, onde transitam com desenvoltura mais de 600 barões, o líder está pronto para tomar o tesouro do rei. Em banquetes onde se reúne com a corte daquele mundo paralelo sob seu comando, são encontrados elementos de todas as matizes, alguns nobres, outros nem tanto, alguns desonestos, outros mais, além de delinquentes protegidos por escudeiros do manto negro do terceiro reino.

Os comensais, nesses encontros, organizam a forma de extrair do rei as moedas que serão fartamente distribuídas entre eles. Não fazem outra coisa, além de ganhar peso e criar dificuldades ao reinado. “Precisamos alterar as leis do reino. Esse novo rei não vai repassar a nossa parte do tesouro, é muito mesquinho. Ele insiste que as riquezas são para atender a pobreza, cultivar os campos, construir moradias. Só existe uma forma de metermos a mão no cofre real, que é criar um conflito, uma calamidade.” – diz o líder enquanto mastiga e baba.

Seu imediato e cúmplice na manobra sugere: “Já temos uma calamidade, é a peste negra. Vamos dizer que os condados precisam de recursos para alimentar e medicar os súditos que estão morrendo e dividimos as moedas. Quanto mais mortes, melhor, e ele não terá controle.” Surpreso, o líder interrompe a refeição: “Genial! Tem alguma erva que cure a peste? Se não tiver, o plano será perfeito. Ele não poderá negar as moedas que queremos ou todos no reino vão considerá-lo um rei cruel. Como sempre, sócio, ops, meu conselheiro fiel, você teve mais uma grande idéia. Só temos que conversar com os escudeiros do manto negro para que eles garantam o plano.”

O gorducho líder do segundo reino cavalga até o terceiro reino, onde vai consolidar o plano. Quando adentra a sala da távola onde estão reunidos os mantos negros, percebe que há uma discussão entre eles. São poucos, mas o clima parece tenso. “Você não pode tomar uma decisão sem ouvir a opinião de todos. Cancelar um título de nobreza concedido pelo rei vai nos expor demais!” – dizia para o outro com o dedo em riste. “Não vai me dizer que você nunca acordou um dia com vontade de ser rei!” – respondeu, justificando. Nesse momento, um terceiro, posicionado na cabeceira da mesa, interfere: “Menos, menos, vamos manter a ordem na confraria. Se aquele maluco pode ser rei, se a plebe é imbecil para conduzi-lo ao trono, então podemos ser deuses. Ou não fomos eleitos duques do reino?”

O gorducho líder do segundo reino fica no canto da sala, paralisado, observando, quando outro manto negro pede a palavra: “Não diga bobagem, líder da hora, você ingressou há pouco tempo, nenhum de nós foi eleito, apenas éramos amigos de outros reis. Aliás, você, que nem títulos tem, veio pra cá pela vontade de um rei morto.”

Diante daquela manifestação, o ocupante da cadeira principal reage: “Mas ressuscitamos o rei morto, o tiramos das trevas, somos ou não somos deuses? Portanto, podemos tudo.” O gorducho faz um ruído para chamar a atenção e interrompe a reunião. “Desculpem, senhores, mas trago uma ideia para destruir o rei. Se fizermos isso juntos, além de tomarmos o reinado, que poderá ser ocupado pela minha mãe ou qualquer uma das de vocês, ficaremos ainda mais ricos e poderosos. Já manobrei meus comandados no segundo reino, basta que nosso acordo seja aceito.”

O líder dos mantos negros então pergunta: “Qual plano?” E o gorducho responde: “Vamos usar a peste negra para tomar dinheiro da coroa e, para isso, basta que vocês determinem que os condados são autônomos.”

Diante da proposta, o decano da confraria, pede a palavra: “Sua Excelência Líder do Segundo Reino, não concordo quando pessoas maldosas insinuam que o colesterol comeu seu cérebro. Você acredita que um grupo reduzido como o nosso, onde nenhum de nós deve satisfação a ninguém, que temos as moedas garantidas da coroa, além de uns negocinhos por fora, que nenhum de nós chegou até aqui pela vontade do povo, que, aliás, só atrapalha, o que pensa que fazemos aqui senão conspirar? Desconstruir as leis é nossa especialidade. Aqui damos perdão a criminosos, impedimos as ações do rei, enchemos nossos cofres, convivemos com as piores espécies de cidadãos sem assumir responsabilidades. A sua idéia é tardia e já foi executada. O rei não tem culpa de nada e será culpado de tudo. Mas fique tranqüilo, a qualquer momento, não será o rei, mas nós é que vamos indicar os próximos escudeiros de mantos negros e você poderá ocupar uma cadeira ao nosso lado. Claro, tudo tem um preço. No momento nossa dificuldade é saber qual de nós será o rei.”

Essa parábola termina de forma surpreendente: meses depois, no palácio de veraneio exclusivo do rei, os convidados chegavam animados. O rei, saboreando o vinho especial pisado pelos súditos, observava a horda de duques, marqueses, condes, barões, mantos negros, lgbts, ongs, músicos, atores e outros malabaristas. Todos felizes. E criaram uma definição para o evento: democracia. Mesmo que ameaçada por um bando de aloprados.

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