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Eterna herança maldita

República proclamada e nunca consolidada dá muitas voltas

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Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo - Foto Reprodução/Arquivo Público Nacional

Estou atrasado um dia, mas, como todo brasileiro que se preza, tirei o feriado para gozar a vida. Só a vida, é claro. Por isso, só hoje decidi lembrar uma data escorpiana e inseticidamente parte do calendário gregoriano como o 319º dia do ano. Refiro-me ao 15 de novembro da Proclamação da República, quando o Exército nacional e civis se uniram, expulsaram a família real e implantaram a República. Como não vivi aquela época, até hoje não sei se era melhor do que estamos.

Será que a herança é realmente maldita? Vamos às muitas voltas da República do Brasil. Em 15 de novembro de 1889, no Rio de Janeiro, montado em seu cavalo, o marechal alagoano Deodoro da Fonseca “proclamou” a primeira frase de efeito de um governante brasileiro: “O melhor programa econômico do governo é não atrapalhar aqueles que produzem, investem, poupam, empregam, trabalham e consomem”, ou seja, o empresariado e o trabalhador.

Passados 134 anos, a República já teve líderes gaúchos, mineiros, cariocas, paulistas, pernambucanos, um falso alagoano e um ninguém sabe de onde. A mesmice política é estonteante. O que talvez tenha mudado é a força das frases produzidas pelos nossos homens públicos dos altos escalões, embora a conotação seja a mesma: somos o esterco do cavalo manco do bandido. Isto quando o bandido tem uma montaria.

Cunhada por um adversário político do ex-governador paulista Ademar de Barros, o jornalista e biógrafo Paulo Junqueira Duarte, uma das expressões mais famosas (“Rouba, mas faz”) virou bordão em referência ao governante que, embora corrupto, também é visto como um benfeitor, alguém que, de alguma forma, contribui com a população.

Coisas do Brasil de ontem, de hoje e de sempre. De Fonseca à célebre frase de Getúlio Vargas, em 1954, foram algumas décadas. No entanto, o peso certamente foi o mesmo. Até hoje considerado um dos presidentes mais importantes do Brasil, Vargas preferiu o suicídio a fazer as concessões que lhe eram exigidas à época: “Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História”. E de fato entrou.

Naquele 22 de agosto de 54, Vargas acabou se tornando o primeiro e único mito da política nacional. Qualquer outro é fraude. De presidente a presidente, lá se vão 39 mandatários desde a República. Tivemos os muito bons, os ruins, os muito ruins, os forçados e aqueles que não disseram porque foram eleitos e, por isso, tiveram de deixar o poder pela porta dos fundos.

Algumas das frases não passaram de ironia. Uma delas, durante a ditadura militar, foi dita por aquele general do qual não gostamos sequer de lembrar o nome: “Sinto-me feliz todas as noites quando ligo a televisão para assistir ao jornal. Enquanto as notícias dão conta de greves, agitações, atentados e conflitos em várias partes do mundo, o Brasil marcha em paz, rumo ao desenvolvimento”.

O que não foi dito é que o próprio general ufanista do “Ame-o ou Deixe-o” proibia a veiculação de notícias sobre greves, agitações, atentados, conflitos, desaparecimento de opositores ao regime e tortura nos agitados porões da República fardada. Dessa forma, era fácil evitar que as notícias ruins chegassem à população.

JK também cunhou uma das pérolas ao afirmar que a seca de 1956, ano em que assumiu a Presidência, seria a última a assolar o Nordeste. Errou apenas por 67 anos. Outro de nossos “líderes” se notabilizou por preferir o cheiro de cavalo a cheiro de povo e por afirmar que prendia e arrebentava quem se colocasse contra a abertura política. Morreu e foi comido pelas formigas como qualquer outro cidadão.

Derrotado por Tancredo Neves em 1985, no Colégio Eleitoral, Paulo Salim Maluf entrou para os anais ao defender singelamente os estupradores: “Se está com desejo sexual, estupra, mas não mata”. Felizmente, um desses maníacos nunca chegou próximo de uma das filhas do quase decujo.

E há ainda o “Duela a quien duela”, durou pouco para quem se imaginou caçador eterno de marajás.

As locuções foram tantas que vou me ater às novidadeiras, às ingênuas e às mais idiotas. Na cabeça do Marimbondo de Fogo José Sarney, “Governo é igual violino: você toma com a esquerda e toca com a direita”. Bem assim. Como o caçador foi cassado, sobrou para Itamar Franco a gloriosa recuperação do Fusca. Sacanagem, pois, para os mineiros, “a política é como um crochê: não se pode dar ponto errado, sob pena de ter de começar tudo de novo”. Itamar não errou.

Sensato, Fernando Henrique Cardoso disse, logo após a proeza do Plano Real, que “o mais importante para quem está governando não é preservar o mercado, mas preservar as pessoas”. Fomos, fomos de novo e voltamos à tese de que “nunca na história deste país”.

Chegando à presidenta, não podemos deixar de “saudar a mandioca como uma das maiores conquistas do Brasil”. Como ela bem disse, “se tivéssemos estocado o vento, cada um respiraria o seu”. E Zé fini!

Não chegamos a tremer, mas com Temer todos ouvimos que “muitos votaram na Dilma porque eu era o candidato a vice”. Uma pena perder tempo com ele, o pior presidente que o país já teve, mas que faz parte de qualquer narrativa sobre negacionismo ou golpismo. É a prova da maldição da República.

“Chega de frescura”, “Caguei”, “O Brasil tem de deixar de ser um país de maricas”, “O grande erro da ditadura foi torturar e não matar”, “Os gays não são semideuses. A maioria é fruto do consumo de drogas” são algumas das estultices regurgitadas por aquele cidadão que nem a farda honrou.

Pedro Álvares Cabral foi somente o descobridor, mas, do céu, me autorizou a adaptar sua frase mais eloquente: “Papuda à vista”. Luiz Inácio está aí para, quem sabe, consolidar a República de quase um século e meio.

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