Colheita maldosa
Rir da desgraça alheia um dia vira bumerangue
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Aparentemente, pelo menos nas redes sociais, parece que perdemos a mão ao falar sobre certos assuntos. Basta rolar o feed por alguns minutos para perceber que a agressividade virou quase uma regra, como se fosse normal reagir a tudo com ironia, deboche e até crueldade. Dá a impressão de que o que move esse tipo de comportamento é a busca por atenção, cliques, visualizações, engajamento. Tudo vira espetáculo, até a dor alheia.
No caso da tragédia do acidente com o balão em Santa Catarina, a enxurrada de comentários foi um retrato triste disso. Muitas pessoas se apressaram em dizer que as vítimas não foram espertas o suficiente por estarem ali, que elas “sabiam que era perigoso” e que, portanto, o que aconteceu “foi culpa delas”. Pouquíssima gente questionou a fiscalização, a empresa que oferece o serviço, o poder público que deveria garantir segurança e regras claras. Os donos da empresa sequer foram alvo das mesmas críticas que as vítimas receberam. Fica a sensação amarga de que perdemos a capacidade básica de nos colocar no lugar do outro.
Esse tipo de reação já virou quase um padrão. Recentemente, a mesma coisa aconteceu com a moça que se acidentou fazendo trilha em uma região vulcânica da Indonésia. Foram muitos os que apontaram o dedo dizendo que ela procurou o que aconteceu. Como se uma tragédia fosse sempre culpa da própria vítima. Como se, de alguma forma, isso nos livrasse da dor coletiva que essas perdas trazem.
Eu me pergunto até onde vamos com essa grosseria gratuita, com essa falta de empatia que toma conta das conversas. Por que tratamos o sofrimento alheio como um espetáculo que precisa render curtidas? Por que esquecemos que por trás de cada nome há uma história, uma família, uma rede de pessoas que sente profundamente a dor da perda? Precisamos urgentemente resgatar o respeito pelo outro, por suas dores e por suas memórias. Caso contrário, vamos nos distanciar cada vez mais daquilo que nos torna humanos.