O homem pendular
Rolou mesmo química, ou é novo blefe de Trump?
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Na última semana, por ocasião da Assembleia Geral da ONU em Nova York, o presidente Trump, com seu jeito histriônico e espalhafatoso, em meio a um discurso lido, faz um aparte a si próprio e de improviso fala sobre um encontro casual com o presidente Lula, no qual teria rolado uma química entre os dois, e que o presidente brasileiro parecia ser boa pessoa. Afirmou em seguida que teria um encontro com Lula em breve.
Obviamente que a diplomacia brasileira e o círculo mais próximo de Lula no governo classificaram o gesto como importante, e louvaram a possibilidade de abertura de um canal negocial para discutir as pendências que têm se acumulado na relação entre os dois países após o início do governo Trump, boa parte delas por ação do deputado fujão Eduardo Bolsonaro. Porém ninguém é bobo, e tanto a diplomacia brasileira quanto os assessores mais próximos e até mesmo o presidente Lula sabem que por detrás desta súbita mudança de Trump a acenar com diálogo, ao mesmo tempo que eleva sanções contra autoridades brasileiras vinculadas ao Judiciário, não existe uma epifania do presidente americano que o fez enxergar com outros olhos as ações calculadas que o governo dele tem tomado.
Imediatamente vem à tona a humilhação e esculhambação que Trump e seu vice J.D. Vance impuseram a Zelensky em uma audiência ainda no início do ano, e também a forma grosseira e humilhante com que foi tratado o presidente da África do Sul Cyril Ramaphosa em audiência no salão oval, ocasião em que Trump constrangeu o presidente sul-africano com vídeos falsos. Por outro lado, o presidente norte-americano também não é bobo, e por detrás daquele jeitão espalhafatoso meio informal há gestos calculados em linha com o que ele defende e prega.
Nos dias imediatamente posteriores ao “rolou uma química” informações foram surgindo dando conta de que a ação “sem intenção” de Trump foi estimulada por gigantes empresariais dos EUA e do Brasil, com destaque para a empresa brasileira JBS, cujo gigantismo ocorre também nas terras de Tio Sam, onde se tornou uma das maiores no setor de proteína animal. E é sabido que as tarifas exorbitantes de Trump contra o Brasil têm causado danos importantes aos EUA, visto que boa parte das exportações brasileiras para lá são de produtos alimentícios. E tarifas mais altas significam preços mais altos no destino, o que além de elevar a inflação piora sobremaneira o humor de empresários importadores (financiadores de campanha) pois estes veem seu lucro diminuir, e também e principalmente dos consumidores (eleitores) que destinarão mais recursos de seus rendimentos para compra de comida, rendimentos que há anos têm sofrido um processo de deterioração com as políticas neoliberais do governo norte-americanos para com o próprio povo.
O jeito teatralmente caótico de Trump que mais lembra uma distopia não é inadvertido. Há uma lógica muito bem definida por trás de suas ações aparentemente sem sentido. Até mesmo os movimentos de pêndulo, um vai e vem que parece indicar inconsistência e indefinição são calculados. Mas há propósito nisso, e Trump deixou claro ainda em campanha. O famigerado mantra “Make America Great Again” é uma obsessão de Trump que parece não conseguir assimilar que o mundo mudou muito e que caminha para uma multipolaridade inexorável. Ou seja, mesmo que de uma forma que pareça torta ante a lucidez, Trump acredita no que faz.
O Brasil como nação e o governo Lula como seu representante têm de ficar atentos ao que pode ocorrer nesta reunião. Não se pode descartar atitudes agressivas e constrangedoras de Trump que já chegou ao ponto de fazer uma comitiva de líderes europeus esperarem sentados feito “aluninhos de castigo”. Mas não se pode também de forma nenhuma ignorar a altiva sapiência e inteligência de Lula, que não precisa provar mais nada quanto à sua capacidade de negociação, envolvimento e encantamento. Afinal, não a toa caminha para uma quarta eleição à presidência do mais importante país da América Latina, o cidadão do quase impossível que saiu do interior do nordeste em um pau de arara e, contra todos e todas as intempéries interpostas por uma elite que insiste em subjugar o próprio país se encontra onde está. Sem deixar de lado a histórica capacidade da diplomacia brasileira, das mais respeitadas no mundo. O encontro promete.
Ao fim e ao cabo, pode até ter rolado uma química mesmo, e espera-se que possa evoluir para uma relação mais saudável entre duas grandes nações cuja parceria histórica já remonta a mais de duzentos anos.
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Antonio Eustáquio é correspondente de Notibras na Europa
