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Arroio Dilúvio

Romance começa e vira eterno no hoje rio poluído

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Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Irene Araújo

Quem perambula por ali nem imagina o que se passa pela cabeça daquele curso d’água. E aquilo tem cabeça? Daqui a pouco vão dizer que possui até coração. História mais sem pé nem cabeça! Talvez você tenha razão, pode até não ter cabeça, mas o Arroio Dilúvio tem lá as suas vontades.

Para quem não sabe, tal riacho é natural da antiga capital, Viamão, onde viveu seus primeiros anos de menino. Cresceu e quis morar na bela Porto Alegre. E por aqui tem andado desde então, desfilando toda a sua placidez pela cidade. Aos poucos, como nada é para sempre, vem morrendo no Guaíba. Pois é! No Guaíba! Pra você ver como é que as coisas acontecem pelas bandas de cá.

A despeito do lixo jogado sobre sua cabeça, o Dilúvio tem, ao longo dos anos, evitado reclamações até há pouco. Ih, cá estou de novo com essa história de cabeça. Mudo para leito, ainda mais porque o arroio mais famoso por aqui grita a plenos pulmões que não aguenta mais tamanho descaso com a sua pessoa. Que parem urgentemente com essa coisa de fazê-lo de lixeira!

Tem peixe? Tem ou, então, as garças que ainda insistem naquelas margens estão confabulando, talvez algo que ouviram dos antigos, quando por ali dava até para nadar sem correr o risco de erisipela, senão algo mais horrendo. Tipo o quê? Ah, sei lá! Uma leptospirose ou cólera. Vá saber!

Tá vendo aquele casal? Qual? O de mãos dadas. Pois é, aqueles dois começaram a flertar logo ali. O rapaz, um bobalhão, não soube escolher as palavras apropriadas. Sorte dele, pois a moça parecia encantada por aquele tipo tão comum por aqui.

Certamente, você deve estar se perguntando: Afinal, o que é que o Dilúvio tem a ver com esse romance? Pois bem, lembrando nossos irmãos lá de cima, apenas lhe digo: Não se aperreie!

Como lhe contava, lá estavam aqueles dois. A moça, sábia como quase todas, e o bobalhão, apenas mais um rapaz entre tantos outros praticamente idênticos. Hesitante, nem chegou a gaguejar, pois lhe faltaram sílabas para tal. E quis prosseguir, mas ela encurtou o passo e começou a apreciar a mansidão do arroio. Encantada que estava, não ouviu nem escutou murmúrio do gajo, mas apenas o sussurro daquelas águas lá embaixo.

A moça, não se sabe se após cinco ou dez minutos, disse que sim. O rapaz, certo de que a havia conquistado, lhe ofereceu o braço. Ela aceitou o convite e, enquanto atravessava a Ipiranga, voltou o olhar para o Dilúvio e lhe sorriu o sorriso mais apaixonado. Se isso aconteceu dessa maneira, não posso lhe afirmar com certeza. Entretanto, é assim que me recordo e, melhor, é como gosto de lembrar.

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