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Que mancada!

Santana, Paulinho e o preso

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Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Irene Araújo

O Santana, o maior nó cego entre os policiais de certa delegacia lá pelos lados de Sobradinho, para surpresa de ninguém, entrou de cara amarrada no serviço, onde há mais de duas décadas finge trabalhar. Um traste por assim dizer.

O procrastinador passou pelos colegas sem ao menos um bom-dia e foi direto para a cozinha. Lá estava a Sissi terminando de passar o café. Ela nem precisou virar o rosto para saber quem era, conhecia aquele arrastar de pés e o arfar de fumante ou gente preguiçosa. O Santana, sem qualquer pontinha de remorso. carregava com louvor tais características.

— Hum!

— Que é, Santana?

— Esse café vai demorar muito?

— Se eu quiser, vai, sim!

O agente deu dois passos para trás. Até ele sabia que não se brincava com a Sissi. É que a mulher não era apenas a responsável pela cozinha, mas era a pessoa mais importante para que a delegacia funcionasse. Afinal, qual repartição pública deste país sobrevive sem café?

Após se servir de uma, duas e três generosas xícaras, o Santana foi questionado pelo Ricky Ricardo, chefe da equipe de plantão.

— E aí, Santana, acho que já tá na hora de trabalhar um pouco, né?!

O mandrião olhou de cara de nenhum amigo para o Ricky. A vontade era lhe dizer um desaforo, mas não seria nem um pouco inteligente. Não que sapiência fosse uma das facetas do Santana. Seja como for, além de poder levar uma advertência por bobagem, o que o gorducho tinha de cintura, o chefe possuía em altura.

— Tô indo.

— Então, anda logo, que o Pedrito e eu precisamos atender um chamado.

Enquanto estava no balcão da delegacia para registrar possível ocorrência, o Santana aproveitou a calmaria para tirar um cochilo. Mas eis que, nesse ínterim, os agentes Paulinho, Marcelo e Alexandre, conduzindo um sujeito, entram na delegacia, momento em que o molengão abriu os olhos. Os policiais nem se deram ao trabalho de serem ignorados pelo Santana e, por isso, foram direto para a sala do delegado Rupereta.

O conduzido, após algum tempo, foi algemado ao banco entre a sala da autoridade policial e o plantão. Isso até que Rupereta analisasse quais artigos iria enquadrar o preso.

Por mais zelo que o policial proceda o ato de algemar, sempre corre o risco de o gatuno escapulir. E não é que esse conseguiu se livrar das algemas? O problema é que, para alcançar a liberdade, o meliante precisaria passar pelo plantão, onde se encontrava o Santana, tão perigoso como a estátua de um leão na entrada de um hotel.

Apesar da falta de perigo, o fujão desconhecia tal condição e, então, precisou bolar um plano. E foi o que fez, ainda mais porque sabia que logo, logo o Paulinho e os outros policiais retornariam da sala do delegado.

O preso simulou seu melhor sorriso, abriu a portinhola ao lado do balcão e, já prestes a dar o primeiro passo para a liberdade, ouviu a estrondosa voz do Santana.

— Ei! Quem te soltou?

— Foi o Paulinho.

— O Paulinho?

— É. Ele pediu para eu ir ali comprar pão na padaria.

— Pão?

— É. Pão.

— Hum! Só Pão?

— O quê?

— O Paulinho só pediu pra você comprar pão?

— É.

— Hum!

— O que foi?

— Tá com dinheiro aí pra comprar presunto?

— O quê?

— Pre-sun-to! Você é surdo?

— Nã-não, senhor. Presunto. Tá anotado.

— Hum!

O preso, quando já estava na saída da delegacia, ouviu novamente a estrondosa voz do Santana.

— Ei, você!

O sujeito virou o rosto e, então, o Santana disse:

— Ah, também traz uma manteiguinha.

Cinco minutos depois, o Paulinho, o Marcelo e o Alexandre apareceram e encontraram apenas as algemas presas ao banco. Nada do gatuno. Cadê o bandido?

— Santana, cadê o preso?

— Preso? Que preso?

— O que deixei algemado aqui no banco.

— Ah, ele estava preso?

— É óbvio que estava, Santana! Cadê ele? Cadê? Cadê?

— Ah, ele foi comprar o pão que você pediu. Disse que vai trazer presunto e manteiga também.

— O quê?

— Ah, Paulinho, quem é que come pão puro? Pelo menos uma manteiguinha, né?!

Resumo da história. Após se esgoelar e quase enfartar, o Paulinho foi impedido por seus colegas de esganar o Santana. Quanto ao fugitivo, graças aos esforços do Ricky Ricardo, do Pedrito e a equipe do Paulinho, foi preso na semana seguinte. Aliás, diante do Santana, ele confessou que, no dia da fuga, estava sem dinheiro para o pão, quanto mais para o presunto e aquela manteiguinha.

……………………

Eduardo Martínez é autor do livro ’57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’ (Vencedor do Prêmio Literário Clarice Lispector – 2025 na categoria livro de contos).

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