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Inusitado líder da oposição

Santo Camaleão, Renan agoniza mas não morre

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Autor/Imagem:
Mathuzalém Junior*

Tentando buscar assuntos diferentes para escrever, resolvi remexer em arquivos antigos da inesgotável e envelhecida política brasileira. Parei em outubro de 2007, período de turbulências no Senado Federal, à época presidido por José Renan Vasconcelos Calheiros (MDB-AL). Ameaçado por uma série de denúncias de corrupção, além de um escândalo extraconjugal, Renan sabia que seus dias como presidente estavam contados. Para não correr risco de perder o mandato e ganhar fôlego, ele se licenciou por 45 dias. A ideia deu resultado. Como presidente interino, o ex-senador Sebastião Afonso Viana Macedo Neves Viana, mais conhecido como Tião Viana (PT-AC), serenou os ânimos e pacificou a Casa. Após o esfriamento da crise, Calheiros voltou em grande estilo e ajudou a eleger Garilbadi Alves (MDB-RN) como seu legítimo sucessor.

Como dizia o mestre Ulysses Guimarães a novos e velhos jornalistas que procuravam seu gabinete na Câmara dos Deputados como fonte de inspiração, a política é a arte do possível. Renan é a prova disso. Natural do interior de Alagoas, está no quarto mandato no Senado Federal. Nesse período, progrediu como poucos. Como não cabe a mim fazer juízo de valor, certamente Deus o ajudou. O que é público é que, antes de entrar na política, o senador alagoano chegou a morar de favor na casa de um amigo e tinha como patrimônio apenas um Fusca. Hoje, movimenta milhões de reais como dono de fazendas, numerosos imóveis e diversas empresas.

Com sua pele camaleônica e após 42 anos ocupando cargos públicos e eleitorais, Renan lembra a fénix ou fênix, pássaro da mitologia grega que, quando morria, entrava em autocombustão e, passado algum tempo, ressurgia das próprias cinzas. Ele, que já foi líder de Fernando Collor na Câmara dos Deputados, acabou absolvido no âmbito político em 2013 por votação de seus pares. De novo presidente do Senado, por decisão do Supremo Tribunal Federal, voltou a se tornar réu por peculato no início de dezembro de 2016. Afastado, recuperou o cargo uma semana depois. Suas idas e vindas nos últimos 30 anos foram tantas pelos gabinetes governistas que nem mesmo o mais otimista dos simpatizantes da esquerda poderia imaginar que um dia o futuro de um presidente da direita estivesse em suas mãos calejadas de poder.

Com a expertise e habilidade de um jogador de pôquer, Renan Calheiros blefa e mostra um Royal Straight Flush com a mesma desenvoltura e malícia. Normalmente ocupa o melhor lugar à mesa e sempre recebe as melhores cartas, que parecem marcadas. Detalhes pequenos para quem é mestre e, reconhecidamente, aprendeu o que devia com os mais velhos. Dr. Ulysses mostrou-lhe o caminho das pedras e o atalho para o poder. Em companhia de Luiz Inácio, seu novo amigo e parceiro político, experimentou longo período de ostracismo. Nada que ofuscasse seu brilho nos porões (hoje bastidores) do Congresso. Do esquecimento nacional aos holofotes da Globo e da imprensa marronzista, badernenta e sensacionaleira (termos criados pelo eterno prefeito Odorico Paraguaçu), Renan Calheiros transformou-se em inusitado líder da oposição ao governo do capitão.

O fato é que, desde sua instalação, a CPI da Covid formatou um monstro experiente e capaz de assustar a atual e as próximas gerações do bolsonarismo. Travestido de congressista boa praça (os alagoanos de melhor cepa afirmam o contrário), Renan Calheiros é hoje um dos três principais adversários do ocupante da cadeira de maior peso do Planalto. Pela ordem, os dois primeiros são Luiz Inácio e o próprio presidente com suas lives recheadas de baboseiras. Consciente de que o barulho que vem causando pode gerar um estrondo devastador para as pretensões políticas do ex-mito de coisa alguma, o senador é o terceiro na escala de opositores presidenciais.

Para começo e fim de assunto, ele antecipou para alguns jornalistas ter provas robustas sobre reuniões diárias de Bolsonaro com o chamado “gabinete paralelo”, popularmente batizado de “gabinete do ódio”. Como isso pode não ser suficiente para o calabouço, o camaleão das Alagoas deixou bem clara em seu primeiro discurso na CPI a intenção de buscar inspiração nas famosas cruzadas medievais (expedições militares organizadas pela Igreja Católica entre os séculos XI e XIII). “Nossa cruzada será contra a agenda da morte, o caos social, a fome, o descalabro institucional, o morticínio, a ruína econômica e o negacionismo”. Considerando que as pesquisas revelam que Jair Bolsonaro executou uma “estratégia institucional de propagação do coronavírus”, o staff do presidente da República não deveria ter avaliado Renan como acabado ou como um senador qualquer.

Esqueceram que, profissionalmente, ele integrou a base governista de todos os presidentes pós-José Sarney. Sem entrar no mérito, é muito querido pelos petistas, notadamente por Luiz Inácio Lula da Silva, coincidentemente o líder de todas as pesquisas de intenção de votos. Como o filho de Zeus, o emedebista alagoano tem um trunfo nas mãos. Na verdade, é um coringão pronto para limpar qualquer canastra. Por enquanto, a opção é pelo lulismo. Pode ser exagero, mas, ao que parece, Deus estará em segundo plano. A curto prazo, os indicadores revelam que o futuro de Lula e Bolsonaro a Renan pertence. Falando em Deus, nada melhor do que, no dia de Corpus Christi, escrever sobre o novo santo do Congresso. Como na letra do samba do falecido Nelson Sargento, José Renan Vasconcelos Calheiros agoniza mas não morre. Amém.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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