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Do Leme ao Pontal

Saudades do Rio de Janeiro do Brasil e não de governadores organizados

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Autor/Imagem:
Armando Cardoso - Foto de Arquivo

Além de minha sólida, amada e espalhada família, tenho outras três paixões na vida: o Brasil, meu Rio de Janeiro e, claro, o Clube de Regatas do Flamengo. Não necessariamente nessa ordem, todos estão bem guardadinhos do lado esquerdo do peito acima de tudo patriota. Sou do Rio antigo, capital federal, vitrine da moda, berço do samba, da bossa-nova e dos mestres da malandragem. Nada a ver com a bandidagem de hoje, representada, na visão da elite infeliz, por negros e pobres, mas comandada por engravatados e até por homens com mandatos eletivos. São esses os algozes do meu, do seu, do nosso Rio 40 graus.

Saudade dos cariocas raiz, aqueles cuja indumentária, em casa e no trabalho, sempre foi o calção de banho e uma sandália de borracha. Saudade das praias sem cocô, da dama da lotação, das bancas de jornais que um dia foram queimadas e vilipendiadas pelos terroristas vinculados ao já golpista Jair Bolsonaro, à época contrário à abertura política proposta pelo então presidente, general Ernesto Geisel. Bolsonaro foi preso, as bancas reerguidas, a abertura consolidada pelo general Figueiredo e a democracia engatinhou até alcançar a perenização, apesar do furor uterino de Bolsonaro pela tirania.

Sem melancolia ou nostalgia exagerada, tenho boas lembranças dos ônibus elétricos e dos bondes que circulavam pelo subúrbio de chão batido e sem asfalto, dos bailinhos sem drogas, mas com muito rock and rool, e, principalmente, dos comícios políticos públicos. Era ali que a gente extravasava o ódio que tínhamos e temos até hoje dos políticos mentirosos. Como nenhum tinha letreiro na testa, todos saiam do palanque enlameados de ovos podres. O prazer transcendia as benesses que atualmente alguns recebem apenas para engrossar a claque dos usurpadores de votos.

Por razões alheias à minha vontade, saí do Rio de Janeiro. Entretanto, 40 anos depois, não permito que o Rio saia de mim. Deixei o azul do mar e, sem baldeação, parti no Trem Azul com destino à terra vermelha da nova capital. Saí, mas como esquecer a infância em Campo Grande, Bangu e Realengo. E como não lembrar da fase adulta, quando sonhava com a Princesinha do mar, com o Arpoador, o Castelinho, a Montenegro, a Joatinga e as paqueras de fim de semana no Number One. Me faltavam recursos, mas sobrava criatividade para também viver a moda dos riquinhos, que era levar um papo firme de cinema em Ipanema, nas cadeiras do Zeppelin, e ouvir as bombas do Ibrahim, o Sued.

Mesmo à distância dos chopinhos no Drugstore, eu já imaginava o Rio com muito sol, muito sal ou mais. Como dizia a canção de Chico Anysio e Arnaud Rodrigues, o Rio era e é fundamental. A cidade se perdeu na ganância dos maus governadores que, em troca do poder, permitiram a organização do crime. O Rio não é mais o meu Rio de Janeiro. Todavia, ele continua, macio e mundial. Vô batê pá tu espalhar pá tua patota que o meu Rio é o do eterno síndico Tim Maia. Carioca típico e grande gozador, foi Sebastião quem me ensinou o caminho do Leme ao Pontal.

Assim como Tim, eu tive opção de ser garoto Zona Sul, mas nunca abandonei o subúrbio, local em que reside a alma da cidade. Conforme tradução do amigo Aécio Amado, é no subúrbio que o carioquês é consumido no sotaque mais gingado e mais puxado do esse. Copiando a poesia do amado Aécio, não há coisa mais cheia de chamego e de dengo do que passear pelo subúrbio carioca, o chamado encontro do Rio com o Rio. Minha maior saudade é a dificuldade que tenho para descrever as vísceras do suburbano que vive pertinho do céu ou bem ali entre Deodoro, Madureira e São Cristóvão, no local conhecido como Encantado. Tenham Piedade! Que os maus políticos devolvam o Rio de Janeiro do Brasil a quem ama o Rio do mundo.

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Armando Cardoso é presidente do Conselho Editorial de Notibras

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