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Médico do SUS

Se você não faz mais nada na vida ceda a vaga para quem quer viver

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Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo - Foto de Arquivo

Médico do SUS e de cidade do interior é daqueles que têm de receitar carquejo, pedra santa e mastruz com leite para qualquer tipo de doença, inclusive gravidez de risco, unha encravada, paumolescência, brochura, chifre e mal do amor. Por parte de mãe, meu primo Botelho Pinto é um desses. Sábio e doutor por vocação, ele atende todo tipo de gente. O cabra só não é perfeito porque lhe faltam papas na língua. Paciente enganador não tem vez. Aliás, ou cede a vez ou, sem necessidade de sair do reservado do nosocômio, torna-se passível de uma rápida e indolor cirurgia de mudança de sexo.

Com dois ou três cortes nas partes pudendas e cuspideiras, o sujeito vira trans em questão de segundos. Se sujeita, o caso é mais demorado, pois há a necessidade de se implantar a bananeira onde já existe um talho. Nada que o primo doutor não enfie o dedo e tire de letra. Por força do hábito, às vezes é preciso testar o trabalho. A prova é a confirmação de que ele raramente falha. Também raramente há escapamento de gás no sujeito ou vazamento de óleo na sujeita. Quando isso ocorre, Ribamar recorre ao serviço de borracharia do hospital.

Para uma recuperação mais rápida, nesse caso, tanto ele que virou ela quanto ela que deixou de ser ele, precisam receber um manchão (um chumaço de borracha quente) nas portas cavilares do cajado e das entranhas. Tudo com o máximo de respeito, consciência e, principalmente, asseio. A comadre hospitalar, o penico e a borracha de lavagem são esterilizados há cada três meses no fogão de lenha montado na área externa da casa ambulatorial. A fumaça do esterilizador também servia como propulsora do Fuscão 1972, eventualmente utilizado como ambulância.

Perguntem se o primo é infeliz. Nem um pouco. Como a maioria dos colegas de repartição, ele trabalha muito, ganha pouco, mas é feliz com as rapaduras, as galinhas carijós e as garrafas de pinga que recebe como honorários. Como disse no início da narrativa, o parente só não aceita marmotas. Recentemente, antes mesmo da autoridade municipal desfiar o rosário de doenças, quase deu voz de prisão ao prefeito da cidade, um velho ainda novo, mas carcomido pela falta do que fazer, sobretudo pela inapetência diante da vida física, emocional e sexual. É o mais claro exemplo de um fela. Na verdade, um grande fela.

Membro da direita que não consegue chegar a lugar algum e furador de fila, o prefeitinho adentrou e foi logo se confessando: Doutor representante do SUS, eu tô sentindo um piriguiço que desce do baixo ventre até a arruela, uma tremura, uma gimura, umas coisa ruim, mas não faço sentido do motivo. Prosseguindo, disse que não bebia, não fumava, não dançava, não viajava, não cheirava aquilo e nem aquilo outro, não frequentava ambientes com muita gente, não tinha namorada e que já fazia três anos que não dava uma descaroçada no caroço da macaúba. Concluindo, informou que passava os dias e as noites deitado na rede da varanda.

Com a antena ligada nas novelas nada infantis da TV Globo, o primo levantou o jaleco na altura do umbigo, coçou o girimun e, com a praticidade dos médicos do SUS, respondeu na lata que o doente não tinha doença alguma, mas já havia passado da hora de morrer. Não tenho como reproduzir integralmente o veredicto médico. Entretanto, fosse eu o doutor teria dito o mesmo que disse a meu avô Aristarco Pederneira no leito de quase morte: Vô, se você não faz mais bosta nenhuma que diabo tá fazendo aqui na terra. Abra a vaga para quem gosta de beber, dançar, conversar, lambiscar e funhanhar. Lembro como se fosse hoje a reação do velho. Balançando a mandioca, vovô levantou-se do catre, deu dois carpados triplos, correu uma maratona e, na volta, fez mais dez filhos na patroa. Um deles é meu pai. Mal de família! Resumindo, médico do SUS não sabe tudo e, às vezes, mente demais.

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*Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras

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