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Seja bem vindo, diria até o Cristo para a turma dos Jogos. E vai rolar a festa

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José Escarlate

Sou carioca da gema, nascido na velha e hoje esquecida Praça Onze, um recanto de saudade cantado nas lembranças do samba de raiz. Em Copacabana vivi minha mocidade. Hoje ela é um bairro singular, exatamente por ser plural.

Mais que um bairro, é uma miscigenação de tipos. Com a população mais idosa do país, sempre foi uma atração e alegria para a sua mocidade. Ali vivem quase um milhão de pessoas, abraçadas pelas favelas do Pavão e Pavãozinho, da Babilônia, do Chapéu Mangueira e parte do Cantagalo.

Tudo naquelas comunidades é tranquilo, vendo a natureza exuberante e feliz, exceto nos momentos de tiroteio e das balas perdidas.

Jeitinho de falar – O carioca é um povo que prima pela informalidade, é alegre por natureza. Com seu jeito irreverente e acolhedor, é receptivo e contagia pelo seu modo arrastado de falar, despojado no vestir, de ser esportista, ter fé e curtir até o que os olhos não conseguem perceber.

Mas o jeitinho carioca de falar, com seu chiado característico, pede respeito. Hoje, o sotaque carioca é patrimônio cultural de natureza imaterial da cidade.

Está lado a lado do samba, das gírias e trejeitos que formam a cultura local, com seus ‘erres’ e ‘esses’ arrastados. Tudo num doce balanço a caminho do mar ou pelo gingar do malandro na subida do morro. O jeito de falar carioca é quase um dialeto.

Brasileiro e carioca – Cariocas são não só os que tiveram o privilégio de nascer na cidade mais linda do mundo, mas também os que no Rio vivem e incorporam meios e modos de ser, falar e agir. Ari Barroso, de quem fui vizinho no Leme, nasceu nas Minas Gerais, vivendo até o fim de sua movimentada vida, os ares do Rio.

No carioca ele encontrou a inspiração para o seu clássico “Aquarela do Brasil”. A palavra malemolência (moleza, manha) é reveladora. O Papa João Paulo II, na sua segunda visita ao Brasil, disse aqui que Deus é brasileiro e carioca.

“Ninguém, a não ser ele, poderia esculpir a Cidade Maravilhosa e colocar, no seu estreito território, um povo tão especial” – disse o imortal Arnaldo Niskier, na Academia Brasileira de Letras.

O café da padaria – O Cristo do Corcovado abençoando a cidade, a praia lotada de gente bonita e abusada, Maracanã lotado, samba no carnaval, samba de rua, roda de samba. Pena que, nos dias de hoje, a violência seja latente na cidade. Cidade linda, cidade suja, grande e colorida, mas sempre querida. Dias claros de sol aberto, lembranças do café com pão no balcão da padaria.

O poetinha Vinícius de Moraes, “carioca da gema” na vida, escreveu uma crônica sobre os ares do Rio. Para ele “ser carioca é ter aderido à cidade e só se sentir completamente em casa em meio à sua adorável desorganização. Ser carioca é não gostar de levantar cedo, trabalhar com ar de ócio, com um olho no ofício e outro no telefone, de onde sempre pode surgir um programa. É dar mais importância ao amor do que ao dinheiro”.

“Seja bem vindo, cara” – É esse meu Rio querido de tantos janeiros, palco das minhas travessuras e aventuras, que abre suas portas para receber turistas que vão assistir o segundo maior evento do mundo – o primeiro, claro, é o carnaval, enquanto que o futebol , há tempos, desce a ladeira, cada dia mais íngreme.

São os Jogos Olímpicos, em meio a tanta desconfiança e preocupação. Tenho a certeza de que o carioca, na sua irresponsabilidade gostosa e a sua irreverência, saberá dizer o seu “seja bem vindo, cara”. E vai rolar a festa.

PV

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