Viagem cósmica
Setembro trará flores para cobrir caixão das ameaças à democracia
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Menino de calça curta e suspensório, mas com lenço e com documento, ouvi um cantante da minha geração afirmar que há dias na vida em que a gente pensa que não vai conseguir, que a gente pensa em sumir. Ao contrário do que poderia ser um sinal de desmotivação e desesperança, me agarrei ao reverso da canção do falecido Paulo Sérgio e decidi seguir o caminho contrário do fluxo. Por entre fotos e nomes, os olhos cheios de cores, o peito cheio de amores e sem livros e sem fuzil, fui e vou continuar indo. E por que não? Por que não?
Ontem, hoje, amanhã e sempre, minha liberdade significa e significará o direito de dizer a determinadas pessoas o que elas não querem ouvir. E por que não? Porque sou de uma geração sofrida e que lutou bastante para perceber, de fato, o que tínhamos diante do nariz. Ouvindo os que verdadeiramente entendiam de povo, aprendi o que sei hoje em relação à humanidade. Transportando para o país em que vivo, os brasileiros do século 21, principalmente os extremistas de um lado e de outro, precisam se libertar do conceito de Deus e Diabo.
Todos seremos melhores no dia em que admitirmos que somos nós mesmos que fazemos o bem e o mal. Também seguindo os ensinamentos do filósofo Platão, jamais esperei por uma crise para descobrir o que é importante para meu dia a dia pessoal e interpessoal. São nesses momentos de dificuldades que recuperamos e exteriorizamos nossa verdadeira força interior. Fiz isso desde os suspensórios. Hoje, sabedor de que tudo é passageiro, vivo para colecionar memórias e acumular sorrisos.
Passou a fase em que minha principal mentira era aquela que eu contava para mim mesmo. Hoje, tudo que vivo tem valor acima da média. Me incluo na máxima filosófica de que tudo é precioso para aquele que, por muito tempo, foi privado de tudo. Muitos da minha geração não tiveram a liberdade que temos. Alguns, desavisadamente, teimam em dizer que vivemos uma ditadura. Eles realmente não sabem o que dizem. O preço foi alto, mas, graças aos que morreram para não ouvir esse tipo de baboseira, alcançamos o privilégio de pertencer a nós mesmos.
Como dizem alguns pensadores, a vida é curta demais para gastarmos tempo se preocupando com coisas que estão além do nosso controle. Para mim, esse é o momento ideal para que eu retome o controle de minha jornada. Chegou a hora de repetir sonoramente meu não ao comando de quem comprovadamente não sabe comandar. Passei do tempo em que, voluntária ou involuntariamente, era obrigado a atender e aceitar governantes que se elegiam para tentar impor uma falsa visão do mundo a seus seguidores. Eram os tipos cuja frase de cabeceira dizia que, quanto mais a sociedade se distancia da verdade, mais ela odeia aqueles que a revelam.
Quem viveu está vendo ou sentindo na pele a perversão dessa anônima previsão. No atual estágio de viagem cósmica em que vivem alguns de nós, há dois cenários lógicos: o da fantasia, aquele em que seus membros negam a verdade para si mesmo, e o da mentira, o que o protagonista mente apenas para os outros. Parece que estou ouvindo alguém dizer que adoro generalizar. Não solto indiretas. Apenas falo o que é óbvio. Aliás quando uma pessoa diz que não preciso generalizar, na verdade imagino ela dizendo: Eu vesti a carapuça. Como foi bom não me perder na estrada, caminhar contra o vento, me acostumar na caminhada sozinho e jamais deixar de insistir. E por que não? Porque hoje, no sol de quase setembro, eu vou tomar uma Coca-Cola para assistir na televisão o que certamente vai me encher de alegria e de preguiça: o fim daquele que nunca existiu.
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Misael Igreja é analista de Notibras para assuntos políticos, econômicos e sociais
