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Aula de mestre

Sonhar e realizar é possível; basta abrir a janela do conhecimento

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@donairene13 - Foto Acervo Pessoal

Eu fui estudante da rede pública do Distrito Federal. Estudava à noite, na periferia do DF, depois de passar o dia entre ônibus, o trabalho em uma lanchonete e tentativas de manter a cabeça erguida.

O que tenho a dizer sobre essa experiência é que, pelo menos naquela época, era um tempo duro. A maioria dos estudantes ao meu redor não tinha qualquer perspectiva de futuro. Não havia grandes sonhos. Havia só o agora — e ele era apertado, barulhento, cansativo.

Talvez por isso mesmo, muitos dos nossos professores também não acreditavam no nosso potencial. E eu não os culpo completamente. É bem difícil ensinar quando não se acredita na capacidade transformadora da educação, quando o sistema parece já ter desistido de todo mundo ali dentro. Vira uma espécie de círculo vicioso. O estudante que não acredita em si encontra o professor que, desgastado, já não acredita no estudante. A sala de aula vira um lugar de passagem, não de transformação.

Por essas e outras, fico tão triste quando encontro meus antigos colegas do ensino médio, muitos deles hoje em trabalhos subalternos, mal remunerados, invisíveis. Porque não é que lhes faltasse talento ou inteligência — entre outras coisas, lhes faltou o incentivo de um sistema inteiro que nunca os viu como sujeitos de futuro.

É justamente por ter vivido essa experiência que me comove tanto ver iniciativas que rompem esse ciclo. Ontem, por exemplo, aconteceu algo especial no Centro de Ensino Fundamental da 104 Norte, na Asa Norte, em Brasília. A convite dos professores Victor Viçosa de Salles, Henrique Gambi e Leandro Mendes, o escritor Eduardo Martínez foi até a escola para conversar com os estudantes. Ele falou sobre os desafios da escrita, sobre os caminhos tortuosos da criação, e compartilhou seu amor pela literatura com adolescentes que, como eu um dia fui, estão tentando encontrar seu lugar no mundo.

Eduardo Martínez é autor do livro ‘57 Contos e crônicas por um autor muito velho’, lançado no ano passado pela Joanin Editora. O título, aliás, já é por si só uma provocação afetuosa — mistura ironia, maturidade e aquele humor que só os bons contadores de história dominam. O livro está concorrendo ao Prêmio Jabuti de Literatura, um dos mais importantes da língua portuguesa. E ver esse autor, que é também meu companheiro de vida, entrar numa escola pública para inspirar novos leitores e escritores foi, para mim, mais do que bonito — foi necessário.

Porque quando um escritor vai à escola e diz a um jovem da periferia que escrever é possível, pensar e sonhar são possíveis — ele está abrindo uma janela. E, às vezes, tudo do que a gente precisava na juventude era uma janela aberta. Mesmo que fosse só para respirar. Mesmo que fosse só para ver que há, sim, um outro mundo possível. Parabéns aos professores e à direção da escola.

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