Curta nossa página


A pasta preta

Sonho de mudança que antecipa próxima viagem

Publicado

Autor/Imagem:
José Seabra - Foto Editoria de Artes/IA

Sonhei que mudava de casa. Não havia pressa, mas um rumor de recomeço que se espalhava pelas paredes, como quem pressente que a vida vai trocar de pele. Caixas abertas, lembranças em desalinho, o pó de outros tempos levantando voo. Cada gaveta que eu esvaziava parecia respirar aliviada, como se as coisas também tivessem memória e cansaço.

Foi então que abri um armário. Lá dentro, quieta, uma pasta de couro preto esperava por mim. Tinha aquele ar de objeto antigo, mas digno, como se guardasse um segredo que o tempo respeitara. Peguei-a nas mãos e senti o peso discreto da surpresa.

Ao abri-la, encontrei notas cuidadosamente dobradas. Eram duas de cem, uma de cinquenta, duas de dez, duas de dois. Duzentos e setenta e quatro reais. Nada que mudasse a sorte de um homem, mas suficiente para fazer o coração se perguntar de onde veio isso.

O dinheiro parecia ter estado ali por anos, à espera de ser lembrado. Não era o valor que importava, mas o gesto invisível de reencontrar algo que sempre fora meu. Como se a pasta, o armário e a mudança fossem apenas pretextos para que eu descobrisse um pedaço esquecido de mim.

Talvez aquele dinheiro simbolizasse o que a gente perde quando se apressa demais. É o tal valor das pequenas reservas, das potências adormecidas, dos recursos que não brilham, mas sustentam.

Fechei a pasta, com o cuidado de quem sela um pacto silencioso. Senti que a nova casa não começaria vazia, pois nela habitariam todas as versões de mim que um dia souberam guardar, em couro e em segredo, o tesouro da continuação.

Acordei com a sensação de que o sonho não era sobre dinheiro, nem sobre mudança, mas sobre lembrança. Às vezes, o inconsciente apenas nos convida a abrir nossos armários escuros — como aqueles onde guardamos o que fomos — e nos mostra que ainda há riqueza ali dentro. É um baú com notas de afeto, cédulas de coragem, moedas de esperança. Tudo aguardando para ser reencontrado antes da próxima viagem.

……………………

José Seabra, diretor da Sucursal Regional Nordeste de Notibras, está de passagem por Brasília

Publicidade
Publicidade

Copyright ® 1999-2025 Notibras. Nosso conteúdo jornalístico é complementado pelos serviços da Agência Brasil, Agência Brasília, Agência Distrital, Agência UnB, assessorias de imprensa e colaboradores independentes.