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Até tu, Brutus?

Submissão de Rebelo mostra contradições na busca de poder

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Autor/Imagem:
Mathuzalém Júnior - Foto de Arquivo/Tomaz Silva - ABr

Quando eu penso que já vi de tudo na política brasileira, eis que surge um fato novo de uma velha personagem para confirmar aquela antiga tese de que mais vale um seio na mão do que dois no sutiã. Historicamente vinculado ao Partido Comunista do Brasil (PcdoB), o ex-deputado federal Aldo Rebelo ressurge das cinzas como secretário de Relações Internacionais da Prefeitura de São Paulo, sob a gestão de Ricardo Nunes (MDB), cujo patrono na disputa pela reeleição é Jair Messias Bolsonaro, hoje o principal caçador de comunistas. Ainda que sua rentrée ao poder paulista (ele já trabalhou com o ex-governador Márcio França) signifique servir a dois senhores na mesma vida, como homem público ele tem o direito de atender a qualquer tipo de aceno.

O problema será explicar a seus antigos eleitores como ficar ao lado de Bolsonaro e dos menestréis do golpe no palanque que será formado em apoio a Nunes. Estranho, mas nada que a política de salvar o que é meu não consiga explicar. Ex-presidente da Câmara na gestão de Luiz Inácio Lula da Silva, de quem foi ministro, e ex-ministro de Dilma Rousseff, José Aldo Rebelo era vinculado ao PCdoB, mas nunca deixou de ter lampejos de agrados à direita. Parlamentar ou ministro da Defesa, se notabilizou pelos inflamados discursos nacionalistas e em defesa da brasilidade. Querem maior afago aos militares? Aliás, não à toa os graduados adoravam Rebelo na Defesa.

Diriam os mais radicais tratar-se de mais uma contradição política. Seria como um vascaíno descontente com o sobe e desce do seu time virar flamenguista da noite para o dia. Prefiro ficar no meio termo e acreditar que um cofre vazio é sinônimo de alma vendida. O corpo estava empenhado há algum tempo. Prova disso é que, na contramão da história e contrário a seu passado político, Rebelo não viu tentativa alguma de golpe na invasão da sede dos Três Poderes da República no dia 8 de janeiro. Para o ex-um monte de coisa, o golpe de Estado é uma “fantasia entoada pelo líder petista e por seus seguidores para manter viva a chama da polarização e dar tração a uma aliança entre o Executivo e o Judiciário para se contrapor ao Legislativo”. Até tu, Brutus?

Para ser sucinto, é cuspir no prato que comeu. Será que ele diria a mesma asneira se sua cadeira de presidente da Câmara dos Deputados tivesse sido arremetida à pista da Esplanada dos Ministérios? A do deputado Arthur Lira (PP-AL) e a do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) foram jogadas no lixo. Mesmo ideologicamente distantes de Lula, ambos foram honestos com os inquestionáveis fatos. Nessa altura da vida, jogar para a plateia ou para um novo feitor é um risco grande de dormir herói e acordar vilão para os milhões de brasileiros que estiveram a um passo do fim da liberdade.

Talvez por estar sendo fichado na direitona que libera comunistas arrependidos e de ocasião, Aldo Rebelo não viu golpe na depredação ao vivo e em cores de 8 de janeiro. Obviamente que não é caso do ex-muita coisa (e hoje coisa alguma), mas um estômago sem lagostas alagoanas, uma carteira meio cheia e um coração vazio e descolorido ensinam que, melhor do que manter a biografia intacta, é lutar pelo poder eterno, é se inclinar à disputa do ter a qualquer preço. Acho que os moucos não me ouvirão, mas não custa lembrar que, parafraseando Maquiavel, alguns meios trazem a conquista do poder, mas não a glória.

Traído pela excessiva e desnecessária bajulação, Rebelo teve de engolir a divulgação ipsi literis da reunião ministerial em que Bolsonaro traçou as linhas do golpe e começou a anotar os nomes daqueles que pensava aniquilar. Interessante é que, ao contrário da afirmação do secretário paulistano, era o Executivo do Jair se contrapondo ao Judiciário e ao Legislativo. Toda essa história de tapação do sol com a peneira me remete novamente à Nicolau Maquiavel: “Dê poder ao homem e descobrirá quem ele realmente é”. Que me perdoem os que amam anunciar que adoram servir à pátria, mas seria bem mais honesto e respeitoso dizer que amam se servir da pátria. Com relação ao respeito, é fácil falar sobre ele. Difícil é manifestá-lo sem constrangimentos ou culpas. Imaginemos Bolsonaro fora do cenário político e Ricardo Nunes perdendo a eleição. O que será que será? O tempo dirá onde ele irá sussurrar.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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