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Bajulação patriótica

Supremo, se fosse um prédio, teria Flávio Dino como síndico

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Autor/Imagem:
Armando Cardoso* - Foto de Arquivo/Valter Campanato - ABr

Pelas mãos do amigo tijucano Jorge Ben (aí ela já era Jor), um dia qualquer Sebastião Rodrigues Maia, o também tijucano Tim Maia, foi alçado à condição de síndico do Brasil. Sem preparo algum para a importante tarefa, foi guindado do cargo antes mesmo de faltar à primeira reunião condominial. Graduado pela vida, apesar do modus operandi que escolheu para sua vida, Tim ascendeu por conta de sua força, coragem e inteligência. Multiman, ele abominava bajujações, prática que, segundo ele, “é a mãe da mediocridade e uma moeda falsa que só circula por causa da vaidade humana. Concordo em número, grau e agora em cisgêneros. Fiz como Tim Maia. No Rio de Janeiro e em Brasília, circulei com alguma desenvoltura, muita liberdade e extrema vontade de aprender pelo Executivo, Legislativo e Judiciário.

Como jornalista periférico e porta-voz de três dos cinco tribunais superiores, sempre me compus do sujeito. Jamais vivi à custa de quem me escutava. Os predicados e cumprimentos ficavam por conta dos profissionais dos almoços e jantares visando à subida mais rápida do degrau do sucesso. Sem mais delongas e nenhum pudor, academicamente bajulei meia dúzia de figuras valorosas e com as quais me doutorei na sensatez do silêncio e na sapiência do ouvir. Deixo para a imaginação alheia a descoberta dos nomes dessa lista. Um deles eu faço questão de citar publicamente, pois trata-se de Flávio Dino de Castro e Costa, o novo síndico do Supremo Tribunal Federal. Embora com físicos parecidos, a diferença dele para Tim Maia é a assiduidade e a eloquência política, jurídica e, se precisar, física. Em síntese, Dino não tem medo de cara feia. Por isso, nunca se acovardou diante do perigo, mesmo que ele (o perigo) tivesse coturno, baioneta e divisas desbotadas pela falta de uso.

Nunca tive apetência, tampouco competência para a magistratura. Não me fez falta. Mais importante do que julgar foi assistir e participar de julgamentos memoráveis de juízes com vocação maiúscula, entre eles Flávio Dino, meu conhecido, parceiro, “amigo”, vizinho e inspirador desde os tempos da Associação dos Juízes Federais (Ajufe) e do gabinete do então ministro do STF e do TSE Nelson de Azevedo Jobim, de quem o hoje ministro do STF Flávio Dino foi juiz auxiliar. Eu era o responsável pela divulgação das decisões de ambos e dos demais ministros das duas Cortes, com destaque para José Paulo Sepúlveda Pertence (+), Carlos Mário da Silva Velloso, Raphael de Barros Monteiro Filho, Ellen Gracie e Gilmar Mendes, além de Nelson Jobim.

Com a coerência de sua sabedoria musical, Jorge Ben, meu outro inspirador, disse certa vez que o trem corre no trilho da Central do Brasil. O vagão onde esteve e está Flávio Dino saiu do Maranhão, chegou a dois poderes centrais do país, voltou ao Maranhão e retornou definitivamente (?) a Brasília, onde continuou mostrando a todos que não tem medo de cara feia, de gritos histéricos, muito menos de golpistas amadores. Com ele é funk na cabeça. E deu no que deu. De volta ao Judiciário, talvez a Casa Mãe, alô, alô WO Brasil, chegou o síndico. E deu no New York Times que ele reentrou com simbolismos próprios de quem tem peso. Nenhuma alusão ao jocoso apelido “Gordinho”, dado por aquele senhor medíocre e merecidamente alijado da vida pública.

Não me lembro de um outro ministro do STF a prestar o juramento de praxe sem a cola. Dino sabia de cor. Também não tenho recordação de um membro da Corte Suprema ser empossado com a presença do presidente da República e dos presidentes da Câmara, do Senado e da OAB nacional. Flávio mereceu essa deferência. Antes de tomar pé dos 340 processos que lhe esperam no antigo gabinete da ministra aposentada Rosa Weber, Flávio Dino lavou as mãos, o rosto, apagou da memória os embates como ministro da Justiça e da Segurança Pública, se emocionou na missa posterior à posse e afirmou que, de volta à toga, respeitará as divergências e priorizará o diálogo. Não fez isso como governador do Maranhão ou como ministro porque sabia que falaria para moucos. De São Luís, Dino passou pela Câmara, deu a volta no Senado e retornou ao STF, onde não pousa disco voador.

As naves espaciais se perderam nos acampamentos “patriotas” de outrora. Com seus 11 ministros, o Supremo tem 11 ilhas. Cada proprietário com suas referências, costumes e processos. Se a Corte fosse um prédio único, Gilmar Mendes, o decano, certamente passaria a função de síndico ao multiman Flávio Dino. Sua primeira tarefa seria tirar a escada que permite a chegada de aduladores à Corte. A exemplo do verdadeiro síndico, Tim Maia, que foi cantor, compositor, instrumentista e produtor musical, Flávio Dino é o mais novo ministro do STF, mas, de longe, é o mais experimentado da Casa. Com todo respeito aos demais, ele é o único que já foi juiz federal, deputado federal, governador por dois mandatos, senador e ministro de Estado. Se é pouco, lembremos que a turma do ódio e do rancor deve estar se obrando de medo só de imaginar que Flávio Dino será um de seus julgadores. Não respeitaram o condomínio e agora serão chamados às falas pelo síndico.

*Armando Cardoso é presidente do Conselho Editorial de Notibras

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