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“É por debaixo dos panos que se entra pelo cano sem ninguém ver”

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Por debaixo do pano, sucesso na voz de Tânia Alves. Por debaixo do pano, o risco de Rodrigo Rollemberg. A associação é clara. Na música, a intérprete de voz caliente mostra que é ali, sob lençóis perfumados ou toalhas de linho egípcio, que se faz o que ninguém deve saber. Já na vertente do governador eleito do Distrito Federal, o som, que se soube depois gutural, traduz o nítido distanciamento que o socialista quer manter da Câmara Legislativa.

Ao relegar, num jogo perigoso, os deputados distritais a um segundo plano, Rollemberg parece disposto a travar uma queda de braço. É como se ele pretendesse mostrar que não tem medo, que pode guardar segredo de tudo o que se tem e que, pior ainda, pode falar de fulano dizendo o que lhe convém.

Desde que foi anunciado vitorioso no segundo turno das últimas eleições, Rollemberg tem demonstrado para o público externo, em especial para os próximos 24 ocupantes das cadeiras da Câmara Legislativa, a intenção de querer pagar o preço de não ter compromisso com nenhuma bancada parlamentar. Muito menos com dirigentes sindicais.

É um jogo arriscado. Hoje sabe-se, por exemplo, que apesar de ter realizado inúmeros encontros com os parlamentares da próxima legislatura, e até mesmo de sondá-los sobre qual pasta teriam interesse de dominar, o futuro governador acabou frustrando os distritais. O balde de água fria, como que sinalizando ‘vocês ficam aí, eu aqui’,  foi o anúncio nesta segunda-feira 15 dos 25 nomes que irão compor o primeiro escalão da gestão que se inicia no dia 1º de janeiro.

Oficialmente, nenhum dos futuros secretários teve indicações políticas. Mas, por debaixo dos panos, a verdade é outra. Nos bastidores, comenta-se que Rollemberg já teria agraciado alguns de seus nomes favoritos na Câmara Legislativa. O primeiro caso gritante é o de João Carlos Souto para a Secretaria de Justiça. O futuro secretário estaria na cota do deputado eleito Raimundo Ribeiro (PSDB) que declarou apoio ao então candidato Rollemberg no início do segundo turno. O parlamentar tucano, aliás, é tido como um dos preferidos do Palácio do Buriti para ocupar a presidência na Câmara Legislativa.

Outro nome que também surge nessa lista de possíveis indicações de distritais negociada por debaixo dos panos é o do futuro secretário de Desenvolvimento Humano e Social, Marcos Pacco. A madrinha seria Celina Leão (PDT). Professor de português, Pacco é citado nos sites de busca da internet como integrante de cursos preparatórios para concursos públicos. Aparece, inclusive, no time do GranCursos, um dos mais famosos da cidade, que tem como sócio Sandro Vieira, um dos conselheiros mais influentes do mandato de Celina Leão.  Sandro, recorde-se, chegou a ser assessor da parlamentar, mas foi exonerado após ofensas em plenário à atual líder do Governo, Arlete Sampaio (PT).

Apesar de não estarem ligados diretamente a parlamentares, outros secretários aparecem em quotas de partidos políticos, até mesmo daqueles que não estiveram com Rodrigo Rollemberg na corrida das urnas. O futuro secretário Ivan Castelli é um deles. Nome que integrou o governo do PT como subsecretário, o médico também atuou no governo de Cristovam Buarque, em 1994. Sindicalistas da área reclamaram da indicação, uma vez que “representaria tentáculos do atual governo desastroso no próximo mandato”, conforme relatou ao editor desta Naredecomjoseseabra uma liderança que ainda prefere o anonimato. A indicação tem feito os representantes das categorias da saúde se reunirem a fim de iniciar um movimento contrário à posse do possível secretário.

Mas a lista não para por aí. Também mantém fortes vínculos com políticos o economista Arthur Bernardes. Escudeiro fiel do ex-governador e deputado federal eleito Rogério Rosso (PSD), Bernardes é também muito amigo do vice-governador eleito Renato Santana. Os dois chegaram a ter cargos comissionados na Câmara Legislativa, como assessores da distrital Liliane Roriz (PRTB). Haveria aí mais uma composição por debaixo dos panos? Liliane nega, como ficou claro nas palavras da assessoria da parlamentar. “Há meses os dois não se falam”, foi dito no gabinete, numa referência a eventuais conversas da deputada com o secretário indicado.

George Michel será o novo secretário de Trabalho. Presidente regional do PDT, Michel foi o único nome dentro do partido que conseguiu consenso entre as várias ramificações internas da legenda. Isso porque, na sigla, há a corrente do senador Cristovam Buarque, a do deputado Reguffe, a do deputado Joe Valle e a ala da deputada Celina Leão, que anda bem próxima ao futuro senador Reguffe.

A Secretaria de Esporte terá no comando a jogadora de vôlei e candidata derrotada a deputada distrital Leila Barros. A pasta mais uma vez fica sob responsabilidade do PRB, partido ligado à Igreja Universal do Reino de Deus. A área foi comandada no último governo pelo pastor Julio César, eleito o deputado distrital mais votado da próxima legislatura. Antes dele, foi ocupada pelo também pastor e ex-deputado distrital Aguinaldo de Jesus.

A distrital Celina Leão, tida como uma das mais próximas ao futuro governador, chegou a ser citada por algumas fontes como secretária da pasta social, mas desmentiu os rumores ao justificar-se como candidata à presidência da Câmara Legislativa. O possível acordo reforça a intenção de Rollemberg de fazer o novo comandante do Legislativo. No entanto, com a insatisfação crescente dentro da Casa, pode ser que o nome da governista fique cada vez mais distante de conseguir atrair votos a fim de agradar o futuro governador.

As indicações, querendo ou não, inflaram ainda mais a insegurança dos futuros distritais com relação ao governo socialista. Como era de praxe que distritais ocupassem ou mesmo indicassem nomes no primeiro escalão do governo, corre-se o risco de a decisão do futuro governador prejudicar a governabilidade.  “Há uma insatisfação generalizada. Demos apoio e não tivemos sequer a participação na escolha. Se ele (Rollemberg) não precisa de nós agora, será que vai precisar no futuro?”, resmungava um distrital no foyer do plenário minutos após o anúncio dos secretários.

Já que tudo se fez por debaixo dos panos, e enfatizando a lembrança de Tânia Alves, vale sublinhar a última estrofe da música. “É debaixo dos panos que a gente esconde tudo, e não se fica mudo de tudo que se quer fazer. É debaixo dos panos que a gente comete um engano sem ninguém saber. É debaixo dos panos que a gente entra pelo cano sem ninguém ver”.

Publicado originalmente em naredecomjoseseabra.com.br

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