Retorno ao jarim
TARDE
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Retorno ao jardim.
O balanço permanece lá, em frente ao grande lago. Esperando.
Durante anos me perdi pelas estradas e desafios da vida adulta.
Driblei saudades, lembranças e faltas.
Escorri por entre os dedos do tempo e quase me enfartei.
Não enfarto de miocárdio, mas de memórias.
As imagens foram amarelando, desbotando e quase ficaram translúcidas.
O pé de jabuticaba, a horta do pai, o cheiro de feijão gordo da mãe.
As canções de serestas ouvidas no grande rádio na sala da casa da fazenda.
A égua Gertrudes que me levava e me buscava na escolinha da curva do estradão.
Os dentes brancos de seu Agenor -o preto de alma branca- sapateador de catira e poeta de versos de improviso inacreditáveis.
Passaram-se os anos. Eu também passei.
Nesta tarde volto ao lugar em que tudo se materializa como alquimia.
O pai está lá, acocorado cuidando de suas plantinhas e esperando a boca da noite para conversar com os vaga-lumes.
A mãe na cozinha inventando especiarias e prazeres.
E eu aqui, de cara com o passado/presente que pode ser abraçado como um corpo concreto, real.
Retorno ao jardim. E observo o menino no balanço. Balangandando… Balangandando.
Filme veloz em minhas retinas, sons e imagens em profusão.
“Quem volta ao passado quer ver o tempo”, disse um dia o imenso Tarkóviski.
Nostalgia, não: desejo de matar a saudade, sim.
E o balanço lá, me esperando.
Vou.
“Sai daí, menino… Agora é a minha eterna vez!”
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Gilberto Motta é escritor, jornalista e professor/pesquisador de sentimentos, lapsos de tempo e memórias que não se compra nos supermercados. Vive, hoje, na Guarda do Embaú, pequena vila de pescadores no litoral Sul de SC.