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Que Lua?

Teoria da Terra Plana faz muita gente crer em holograma

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Autor/Imagem:
Daniel Marchi - Foto Francisco Filipino

Eu estava na estrada, no trajeto entre as cidades de Juiz de Fora, onde morava, e o Rio de Janeiro, ao volante do meu Fusquinha 63 azul, que era um companheirão. Acabara de passar da divisa entre Minas e o Estado do Rio, no Registro do Paraibuna, e ainda tinha um bocado de chão até a Guanabara onde, na manhã seguinte, tinha um importante compromisso – assumir o cargo obtido num concurso público de professor universitário. Fazia muito frio naquela noite. Era domingo, 20 de julho de 1969. E, justamente ali, o cabo do acelerador do Fusca resolveu arrebentar.

Se não fosse um dia tão significativo para mim sob o ponto de vista profissional, eu também lembraria da data com a mesma precisão. Porque, justamente naquela tarde, os astronautas americanos haviam pousado na Lua.

Impedido de seguir viagem até consertar o Fusca, olhei em volta para escolher o melhor lugar de parar. Vi que um pequeno armazém, próximo das antigas instalações de troca de animais para as diligências que, no século anterior, singravam a Estrada União e Indústria, estava visivelmente aberto, apesar das luzes apagadas. De lá de dentro vinha uma luz tênue e azulada. Saí do Fusquinha, abri o capô, acelerei tudo que pude no parafuso do carburador com uma chave de fenda que guardava no porta-luvas e, controlando a velocidade do carro com o pé na embreagem, manobrei até estacionar bem perto da porta do armazém.

O pequeno motor 1200, gritando alto, rompeu o silêncio daquela noite fria, fazendo com que dois senhores saíssem à porta para ver o que acontecia. Logo perceberam que eu passava por algum problema mecânico e vieram perguntar se eu precisava de algo. Agradeci e disse que precisava apenas de um local um pouco mais iluminado para trocar o cabo do acelerador, que havia rompido.

Um deles, então, me disse: “entre aqui um pouco, estamos vendo o repórter contar sobre o pouso na Lua pela televisão. Vou lhe emprestar uma lanterna”.

Ao entrar no humilde armazém, vi alguns cidadãos locais de olhos compenetrados na pequena TV sobre uma das prateleiras do estabelecimento. Eles viam e ouviam atentos, naquele escuro quebrado pela luz emanada do aparelho, Hilton Gomes descrevendo o “grande passo para a humanidade”. O proprietário do local havia desligado as luzes para que a imagem vinda de longe fosse melhor visualizada. A transmissão era precária naqueles tempos, a tela do aparelho era pequena, mas dava para ver muito bem.

O repórter narrava enquanto uma sucessão de imagens ia sendo exibida. Os astronautas haviam pousado no satélite natural fazia poucas horas.

Estava no armazém aguardando o empréstimo da providencial lanterna, tendo pegado no porta-malas a caixa de ferramentas e o cabo de acelerador sobressalente que sempre levava comigo, e estudava a melhor posição para realizar o rápido reparo quando resolvi dar também atenção ao que se passava na tela. O simpático dono do armazém viera trazer a lanterna, mas eu permaneci ali. Confesso que me interessei mais pelo silêncio e pelo fascínio com que os circundantes viam, hipnotizados, o noticiário, do que pelo evento histórico em si naquele momento. Havia algo de tenso e circunspecto no ar.

Afinal, a reportagem se encerrou e a programação do canal prosseguiu quando ouvi a seguinte conversa entre três homens de meia idade acercados do balcão:

– Isso certamente é tudo mentira. Nosso Senhor não permitiria que o homem fosse à Lua. Seria o fim do mundo!

– Claro que é mentira. Mas é porque não tem recurso pra isso. Olhei no céu ainda agorinha. É lua nova, como é que eles acertaram pousar tão longe na lua nova? Isso é filme de cinema.

– Eu acredito. Fizeram o telefone, o avião, a bomba H… Foguete é o negócio mais fácil depois disso tudo. Em dez anos haverá colônias na Lua, com casas para a gente morar, criar animais… Os russos estão plantando verdura na Lua! Vocês vão ver.

Jamais esqueci do diálogo entre esses homens. O interesse na cena me fez passar no lugar mais tempo do que o necessário. O armazém servindo como ponto de encontro, provavelmente o único local das redondezas com uma televisão, aquela gente humilde reunida, interessadíssima em coisas que se passavam (ou não) num céu distante e imaginário, ainda que fortemente ligadas ao real, à terra, ao chão. E eu ali, absorvido por minha vidinha profissional e tão burguesa recém começada, me sentindo o mais insignificante dos seres humanos no meu Fusca, cheio de planos para o futuro, enquanto os seres humanos venciam as distâncias entre as superfícies terrestre e lunar. Fitei o céu, respirei num longo hausto o cheiro frio e suave da noite silenciosa. Ali perto estava o velho Paraibuna em seu leito. Suas águas passavam mansas. Pensei se teria um lugar nesta vida. E quando.

Terminada a observação, usei da lanterna gentilmente emprestada e, em pouco mais de 25 minutos de trabalho, substituí o cabo arrebentado do acelerador do carro pelo reserva. Fiz os ajustes necessários e, após devolver a lanterna, já estava pronto para partir, não sem antes comprar cigarros e beber uma Coca-Cola. O resto da viagem foi absolutamente tranquilo, tendo chegado ao meu destino em perfeita segurança.

Muitos anos se passaram e eu sempre lembro desse episódio remoto. Hoje em dia, a BR-040, via principal entre Juiz de Fora e o Rio, passa ao largo desse trecho, fazendo com que o local não esteja mais na rotina dos viajantes. Aposentado, continuo fazendo periodicamente a mesma viagem, pois construí minha vida no Rio, mas nunca abandonei por completo a cidade natal. Há muito tempo que o Fusquinha 63 não frequenta mais a paisagem, sequer tenho conhecimento se ele ainda existe, tantos anos faz que o vendi.

Mas, estando há coisa de um mês em contato com alguns velhos amigos numa festa de aniversário, chegando por acaso ao assunto dessas reminiscências, ouvi deles que os incrédulos acerca das missões espaciais estão cada dia em maior número. Há também os que juram de pés juntos que nosso planeta é plano, cercado por uma muralha de gelo e coberto por um intransponível domo. E estão cheios de argumentos que, segundo suas crenças, são irrefutáveis. Gravidade? Seria um conceito mentiroso porque, se existisse de fato, as aves sequer conseguiriam alçar voo – afinal, estariam presas à Terra da mesma forma que a massa de água dos oceanos. Mais ainda: se existisse gravidade, as nuvens não estariam na atmosfera, soltas, mas achatadas, próximas à superfície do planeta.

Dias depois, fui apresentado, noutro ambiente, a dois jovens aparentando a mesma idade que eu mesmo tinha naquela longínqua noite fria e lunar de julho, que me falavam das pretensões de seguir carreira como professores universitários. Disse-lhes que era uma excelente escolha, e que o Brasil precisa de bons professores e bons cientistas, em várias áreas do conhecimento, para que não se fique por aí repetindo bobagens em geral, compartilhando-as no território livre da internet e espalhando imbecilidades. Comentei com eles sobre as teorias da Terra plana e dos que não dão crédito às missões do homem na Lua.

Foi quando um deles, com um semblante visivelmente surpreso e sério, me chama no canto e me diz, à meia voz, como a revelar um horrível segredo:

– Professor, nem me diga! Passei anos vendo que era inútil me manifestar contra a ida do homem à Lua. Hoje prefiro abordar o tema de uma maneira diferente, mas lidando sempre com a verdade. O fato, professor, é que sequer existe a lua. Aquilo que vemos no céu nada mais é que um holograma.

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