Retrato do povo
Terreno fértil para a corrupção, Congresso não precisa de irrigação
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Faz tempo que a política brasileira está entregue às baratas. Prefiro os insetos, pois dizer que estamos nas mãos de ratazanas é um terrível desrespeito aos mamíferos roedores, principalmente porque nem todos dessa espécie optam pelo esgoto. Conforme os pensadores do século passado, embora metafórica, a diferença mais didática é ainda mais simplória: os ratos morrem na ratoeira porque não entendem o motivo do queijo ser grátis. Obviamente que não é o caso de nossos políticos, tampouco de nossos eleitores, os quais sabem muito bem o que fazem.
Para ilustrar, nada melhor do que relembrar a antológica frase do escritor e ensaísta britânico George Orwell. Segundo Orwell, um povo que elege corruptos, impostores, ladrões e traidores não é eleitor, muito menos vítima. É cúmplice. E o que dizer do atual Congresso Nacional? Pouco ou quase nada. No máximo que o PL, associado à aracnídea extrema-direita, o transformou na Casa de Mãe Joana. Às vezes, na Casa dos Bolsonaro. Contrariando a máxima de Ulysses Guimarães, me parece improvável um amontoado de deputados e senadores tão ruim como o que temos.
De longe, é o pior de todos os tempos. Triste é dizer que fomos nós os autores dessa irremovível besteira. Eleitos para se apoderarem cada vez mais do dinheiro público, as excelências de hoje são o retrato mais fiel do povo que vota preocupado somente com as vantagens oferecidas durante as campanhas. Infelizmente, o brasileiro só percebe a fraude depois do leite derramado. Ou seja, diplomado e eleito, o escolhido esquece de suas “vítimas”, vira autoridade e, sem qualquer escrúpulo, passa a se achar sócio proprietário do cofre da União.
É aí que mora o perigo. É a fase em que ocorre o processo de transformação das baratas. Elas viram ratos diante dos olhares apáticos, indiferentes e até misericordiosos do eleitorado. Não duvido que, num lampejo de vidência tupiniquim, Nicolau Maquiavel tenha se inspirado no Congresso do Brasil ao afirmar que “Em um mundo onde a ambição política prevalece sobre a ética, a corrupção encontra seu terreno fértil”. Por aqui não há necessidade sequer de irrigação. É o toma lá, dá cá ou nada para lá.
Por conta de algumas heranças, nos acostumamos com a corrupção. Tanto que o combate a ela virou discurso transformador. Ávidos para se refestelar do que prometem combater, cidadãos de honestidade e comportamento duvidosos são guindados da noite para o dia à condição de representantes do povo. Os lamentáveis quatro anos de governo do ex-presidente Jair Bolsonaro são a prova de que enfrentamos o pior dos mundos. Sem dúvida alguma, o pior dos piores.
Graças a Deus acima de tudo, Bolsonaro se foi. Entretanto, ele deixou sobre suas pegadas pessoas que, desavisadamente, o veneram e, a seu pedido, elegeram parlamentares que comparam a tentativa de golpe como uma brincadeira de meninos, tratam os golpistas, baderneiros e vândalos da Praça dos Três poderes como coitadinhos e acham que o governo deve conter os gastos, de modo a sobrar emendas mais gordas para seus bolsos sem fundo. Tudo em nome do meu pirão primeiro. Como dizia o falecido humorista Jô Soares, a corrupção não é uma invenção brasileira, mas a impunidade é uma coisa muito nossa. Sem medo de errar, digo e repito que, quando a corrupção se torna algo tão comum como interpretam os interesseiros congressistas de hoje, a honestidade começa a virar crime.