Ídolos eternos
Tornado, o Toni da Br-3, não deve ser esquecido como Tim Maia, Simonal e Erasmo
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Sou pouco afeito a rótulos, títulos, designações, distinções e qualificações ao ser humano. Esse tipo de denominação fica bem para produtos e não para pessoas. Por exemplo, entendo como doutor somente os que levantam teses. Mas, o que fazer se no Brasil até mestre em prostituição é doutor. Pior é definir como mito alguém que passa quase três décadas no Congresso Nacional e não tem registro algum de projetos do interesse de um único brasileiro. Nada de anormal para um povo que um dia apostou no barbudo Enéas como presidente da República e no pastor Crivella como entendedor de alguma coisa que não fosse o dízimo dos coitados da Universal.
A continuarmos apelidando quem não merece com nomes pomposos e quase honoríficos, mais uma legislatura e também seremos obrigados a chamar o deputado comediante Tiririca de mito cearense. Tchuthuca do Centrão e Imbrochável pertencem ao passado, mas deram ibope imerecido a um líder que só conseguiu liderar os loucos e os abestados. E o Sapo Barbudo? Este pelo menos se liberou da pecha de esfinge. Reis sem reinado também não existem. Charles, Elvis, Pelé, Waldick e Roberto Carlos bastam. Alguns como Tim Maia, Wilson Simonal, Rivelino, Zico, Johan Cruijff, Franz Beckenbauer, John Lennon e Ray Charles ficaram de fora, mas bem que mereciam uma coroa fluorescente.
Que me perdoem os aproveitadores, falsos profetas e enganadores, mas como Júnior Capacete, Adílio, Roberto Dinamite, Reginaldo Rossi, Paul McCartney, Malcolm X, Martin Luther King, Margaret Thatcher, Abraham Lincoln e Rita Lee existem e existirão poucos. O problema da cultura brasileira é homenagear somente os que já partiram. Estes se foram e não tiveram oportunidade de saber o tanto que foram amados. Pois façamos isso com os vivos, os quais precisam saber que são lembrados com alguma importância. Ainda temos entre nós um vigoroso senhor de 95 anos. Ele atende pelo nome de Antônio Viana Gomes, mas o Brasil e boa parte do mundo o reverencia como Tony Tornado.
É o mesmo Tornado que, em 1970, venceu a fase brasileira do 5º. Festival Internacional da Canção, com o hit “BR-3”. Apesar dos imbróglios com a censura da época, o verso “A gente corre/Na BR-3/E a gente morre/Na BR-3” até hoje é cantado nas boas rodas de música. Só nas boas. As ruins ficam por conta dos anitos, ludmilos, belos, lexas e afins. Hábil como ator e cantor, fluente no inglês e com uma memória de fazer inveja aos meninos de 13 anos, Tony vive de pontas em novelas do Plim Plim e de shows que faz pelo país. Ao contrário dos mitos, reis e rainhas de coisa alguma, ele bem que merecia ser chamado de “Don”. Recentemente, li que, quando morador do Harlem, em Nova York, onde trabalhou como cafetão e entregador de drogas, liberou do xadrez um brasileiro que se encrencou com a polícia americana. Era Sebastião Rodrigues Maia, que morreu em 1988, aos 55 anos, de mal súbito, durante uma apresentação em Niterói. Tornado esteve ao lado do amigo Tim até o último dia de sua vida.
Mesmo ajudando a fazer a cabeça dos outros, curiosamente Tony nunca bebeu, fumou ou ficou doidão. Seu negócio era fazer amigos. Vendedor de balas, lavador de carros, engraxate e morador das ruas do Rio de Janeiro, foi interno de um colégio agrícola, paraquedista voluntário do Exército, segurança particular de Roberto Carlos, amigo de delegado de Polícia e ajudante na cantina do colega de farda Senor Abravanel na Escola de Paraquedismo. Militar empreendedor e camelô dos bons, anos mais tarde o cabo Abravanel se tornaria nacionalmente conhecido pela “alcunha” de Silvio Santos. Tony foi ‘Comfort’ nos quatro anos do Harlem. Inspirado no rei do twist Chubby Checker, também foi Toni Checker, nome com o qual cantou e tocou em alguns países, entre eles Rússia e Angola.
Orgulhoso de ser preto, Tony se encanou com o Black Power e com o gesto de punhos erguidos e cerrados. Acabou exilado político no Uruguai, na Tchecoslováquia e na Coreia do Norte. Entre outros itens bizarros de seu currículo, está uma ajudinha ao amigo e roqueiro Serguei. Juntos, carregaram nos braços e deram um banho gelado em ninguém menos do que a “chapada” Janis Joplin durante uma temporada em Copacabana nos anos 1970. Depois de quatro discos (dois solo), mais de 30 filmes e 40 projetos de TV, Tony Tornado encarna atualmente o personagem Lúcio, dono da Rádio Paraíso na trama global “Êta Mundo Melhor”. É o tempo mostrando que está curto para se discutir títulos e esquecer pessoas. Os estatutos, regras, procedimentos e regulamentos internos jamais serão utilizados. Tony Tornado não abandonou Tim Maia. Não o abandonemos como fizemos com Tim, Simonal e Erasmo Carlos, nossos eternos ídolos.
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Armando Cardoso é presidente do Conselho Editorial de Notibras