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Tio Sam é outro

Ufanismo exagerado provoca rejeição mundial do Brasil

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Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo - Foto de Arquivo

Gigante adormecido, país do futuro, do milagre econômico, dos jovens, pátria de chuteiras e do ame-o ou deixe-o. Estes são alguns dos adjetivos usados para definir o Brasil de outrora, o Brasil da minha infância, adolescência e juventude. Ufanismo, patriotismo exagerado de um grupo de presidentes fardados ou apenas reconhecimento pelo que já fomos. Acho que um pouco de cada coisa que deixamos de ser. Hoje, somos rejeitados em todos os países sérios, a começar pelo nosso governante. Tínhamos dois partidos – apenas dois -, sobre os quais havia ranço, preocupação, algum desequilíbrio e subversão, como é do jogo político.

Era uma briga do leão contra o gato. O leão rugiu, esfolou e escalpelou enquanto podia. Nas soleiras, o gato miava conforme o andar das tropas. Era cada um por si e Deus a favor de todos. Apesar do autoritarismo, do obscurantismo, da censura e da manipulação grotesca dos fatos por parte de setores bem mais à direita do que a própria direita, a família brasileira não se limitava à do presidente da República. Independentemente de ter sido redigida nos porões e revisada por fulano, ciclano ou beltrano, a Constituição era sagrada. Nada além dela. Tudo por conta dela. Havia respeito até nos slogans de jactância ou de auto vangloriação de fatos e feitos.

Por exemplo, na expressão Brasil, ame-o ou deixe-o, o amar era sinônimo de aceitar as lei constitucionais, enquanto o deixe-o um termo figurativo para aqueles que não concordavam com o regime de então. Gostássemos ou não, as campanhas ufanistas eram produzidas com o objetivo único de conquistar a simpatia da população. Assim surgiram “Ninguém segura este país”, “Este é um país que vai para a frente”, “Brasil, ame-o ou deixe-o”, “Eu te amo meu Brasil, eu te amo”, da dupla Dom e Ravel, e “Noventa milhões em ação…Salve a seleção”, utilizado como hino da Copa do Mundo de 1970, “coincidentemente” vencida pela seleção canarinho de Mário Jorge Lobo Zagalo.

Embora a história afirme que o povo participou do molho verde oliva, é claro que nem todos se sentiam representados. Outros tantos se revoltaram e partiram para a luta. Mas essa é uma outra história. Inegável é que o ufanismo era uma tese vencedora. Quem é do século passado certamente há de se lembrar da euforia gerada pela vitória brasileira na primeira transmissão ao vivo de uma Copa do Mundo. Com terno de linho, camisa de seda, um pisante invocado ou simplesmente montado em um jeans importado da Saara, no Rio de Janeiro, ou da 25 de Março, em São Paulo, o povo saiu às ruas cantando versinhos patrióticos. Misturando governo e futebol, o Brasil viveu um verdadeiro carnaval fora de época.

Melhor de tudo era o “carinho” que os brazucas recebiam de Tio Sam, representado à época pelo democrata Lyndon Baines Johnson, 36º presidente dos Estados Unidos, cujo áudio do diálogo com o assessor McGeorge Bundy sobre o Brasil logo após a deposição de João Goulart está documentado no filme O Dia que durou 21 anos, de Camilo Tavares. Tudo isso são apenas detalhes de um país cantado em verso e prosa e que hoje caminha para um buraco negro sem fim. Saúde, educação, trabalho, renda, moradia, lazer e meio ambiente preservado são itens cravados na Constituição como direitos sagrados que não existem mais. Viraram poeira. O desmonte sem precedentes de setores estratégicos é criminoso, mas ufanisticamente louvado pelos fanáticos do caos e da tirania.

É o chamado povo de Deus, curiosamente o mesmo que se contrapõe à paz, à soberania, à transparência, à legalidade, à estabilidade política. Infelizmente, os ufanistas de hoje querem o Brasil somente para eles. Por isso, defendem a fome, a miséria, a violência, a homofobia, o racismo e o desrespeito. Claro que ninguém em são consciência apoia a desordem. Entretanto, nunca é demais lembrar que conservadorismo não é mérito. O mundo se modernizou. Vilania virou vergonha mundial, mas no Brasil se mantém como modismo de quem está absolutamente ultrapassado. Enquanto isso, nosso ex-gigante adormecido vez por outra acorda, mas sempre de mau humor. É o retrato de nossa insolvência. Para nossa alegria, Tio Sam não é mais o mesmo.

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