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Titãs

Uma ópera rock com suas doze flores amarelas

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Autor/Imagem:
Adriana Del Ré

Branco Mello mantém um sorriso quase que permanente no rosto durante esta entrevista. Pudera. O momento é de superação – e de seguir em frente. O tratamento contra um câncer na hipofaringe ao qual ele se submeteu nos últimos meses foi bem-sucedido. Tem ainda o DVD do novo trabalho dos Titãs, Doze Flores Amarelas – A Ópera Rock, gravado ao vivo no Teatro Opus, em São Paulo, em maio, que acaba de ser lançado.

E o show dos Titãs no Festival NovaBrasil 2018, no sábado, 27, no Allianz Parque, em São Paulo (do qual também participam outras atrações, como Jota Quest, AnaVitória, Raimundo Fagner e Zélia Duncan), que marca a volta de Branco aos palcos – após o diagnóstico do câncer em maio, o tratamento em junho e julho, e sua recuperação em agosto e setembro.

Branco conta como começou a identificar que alguma coisa não estava bem. “A gente estava ensaiando, fazendo show, eu sentia que tinha alguma coisa meio estranha, não na voz, mas sentia uma sensibilidade, um negócio que eu não entendia o que era, para engolir, fiz um monte de exames, mas não aparecia nada”, lembra-se o músico, ao lado de seus amigos e parceiros de longa data de Titãs, Sérgio Britto e Tony Bellotto, na sede da gravadora Universal, em São Paulo.

“Mas, então, quando a gente já tinha gravado tudo, CD, DVD, apareceu, num dos exames, um negócio pequenininho na hipofaringe Como (o DVD) ainda ia ser editado, tinha um tempo para eu me recolher, a gente fez um planejamento e eu fui me tratar. Fiz um tratamento pesado, difícil, de radioterapia associado a sessões de quimioterapia. Fiquei dedicado a isso, fazendo tratamento e com a confiança de que depois eu ia ter que me recuperar do tratamento, que é uma porrada, e, depois que eu me recuperasse, eu voltaria a trabalhar. Foi o que aconteceu. Agora estou voltando, a voz está voltando, estou fazendo muita fisioterapia, fono, tudo o que precisa”, continua ele.

E como fica a vida após o impacto de receber esse diagnóstico? “A importância das coisas é redimensionada. A vida leva a gente a se preocupar com coisas que não têm a menor importância. Quando você encara uma situação de morte, ou de dor, ou de dúvida de futuro, de finitude, isso muda muito sua maneira de se relacionar com as pessoas, com o mundo, com a vida e tudo mais. E, claro, tem um lado que a vida segue, que é muito bom, estou voltando para isso, estou voltando para minha vida, com essa experiência toda, e sã e salvo”, responde Branco Mello.

Agora, ele, Sérgio e Bellotto – o trio remanescente da formação clássica dos Titãs – estão focados na divulgação do novo DVD, Doze Flores Amarelas – A Ópera Rock, um projeto inédito não apenas na história da banda quanto do rock brasileiro. Tendo no radar referências importantes do gênero, como Tommy (do The Who) e The Wall (do Pink Floyd), os Titãs decidiram criar sua própria história relatada ao longo de 25 canções inéditas e em três atos.

“Há uns 3 anos, essa ideia começou a fazer sentido, contar uma história com canções, porque basicamente esse é o sentido de fazer uma ópera rock ou um musical. Então, a gente até procurou inspiração em todos esses formatos, esses musicais brasileiros, aqueles da Broadway, e as óperas rock são, óbvio, as maiores referências”, diz Sérgio. “Não teve uma única fonte de inspiração, e a gente achou que contar uma história com canções ia abrir muito o nosso leque como compositores. A gente ia poder falar de assuntos diferentes, poder falar através de personagens, que é uma coisa que a gente nunca fez ou raramente fez. Musicalmente também pudemos experimentar coisas com orquestra, com piano, músicas mais pesadas, mais climáticas, como se fosse trilha sonora de um filme.”

Ao que Branco emenda: “E a gente tinha essas referências e a vontade de fazer uma coisa que não fosse simplesmente mais um álbum ou lançar um EP, um single, como se está fazendo mais hoje em dia, que é legal também. Mas, depois do Nheengatu (2014), que é um disco conceitual, já falava de violência contra mulher, racismo, drogas, pedofilia, achamos que, neste trabalho, a gente podia se aprofundar e fazer uma coisa mais radical, que fosse um desafio maior, pensando nessas referências”, explica ele.

“Mas a gente não esperava que isso tivesse um desdobramento tão grande, intenso que teve a ponto de a gente começar do zero quase 3 anos atrás, de chamar o Hugo Possolo e o Marcelo Rubens Paiva para a gente fazer o argumento juntos. Simultaneamente, a gente estava fazendo as músicas, mas sempre achando que faríamos uma ópera rock mais clássica. Acabou que fizemos uma coisa diferente de todos eles: a gente está em cena, entraram três atrizes/cantoras, isso não foi planejado, foi acontecendo durante o processo.”

Também ‘em cena’ estão o baterista Mario Fabre e o guitarrista Beto Lee. A narração é de Rita Lee – aliás, mãe de Beto. Jaques Morelenbaum assina os arranjos de cordas. As três atrizes/cantoras mencionadas por Branco são Corina Sabbas, Cyntia Mendes e Yas Werneck. Elas vivem as três Marias dessa epopeia criada por Branco, Bellotto, Sérgio, Hugo e Marcelo. As garotas vão a uma festa da faculdade, são estupradas por cinco rapazes e isso vai mudar a trajetória delas para sempre.

A ópera fala de jovens. “A gente começou a fazer uma reflexão da realidade. Então, esses assuntos foram chegando: a tecnologia, os aplicativos que são oráculos, a relação com drogas, um certo hedonismo da juventude, essa questão das mulheres, esses assuntos a gente ficava conversando e foi se formatando a história em cima desses temas”, diz Tony Bellotto.

A música Disney Drugs, de Sérgio Britto, brinca com a imagem desse antagonismo entre o universo mágico dos personagens da Disney e o cenário pesado das drogas, apontando essa transição da infância para a adolescência. Me Estuprem e Não Sei, ambas de autoria de Sérgio e Bellotto, são fortes: a primeira mostra como muitas vezes a vítima de estupro é julgada pela sociedade; a segunda carrega o discurso do abusador. Hoje se fala muito do lugar de fala. Assim, o que os levou a esse universo ligado às mulheres?

“Ao mesmo tempo que toda essa questão é muito forte, positiva, a questão feminina, quando a gente começa a criar, como autores, a gente se dá o direito de criar o que a gente quiser, como todos autores se deram ao longo da história. A gente ficou preocupado com essa cobrança, é claro, mas a gente tomou cuidado, refletia, conversava”, diz Bellotto. “Com a entrada, principalmente, das nossas cantoras, elas trouxeram também as experiências delas e a visão delas da história, do que a gente estava querendo contar. Teve uma interação muito grande também com a nossa equipe, que tem muitas mulheres, e como essa história batia para cada uma, isso tudo para a gente foi importante”, completa Branco.

Antes do lançamento do DVD, os Titãs já haviam feito algumas apresentações de sua ópera rock, mas a turnê oficial terá início a partir de março do ano que vem. No festival de sábado, a banda vai tocar seus sucessos, mas vai incluir algo do repertório de Doze Flores Amarelas. “Não vai ser a ópera rock, mas a gente vai tocar algumas músicas dela, inclusive com as cantoras”, antecipa Bellotto.

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