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Rio

Mariz, guardião da música brasileira, morre aos 96 anos

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João Luiz Sampaio 

Quando, em 1947, Vasco Mariz publicou em Portugal Figuras da Música Brasileira, deu início a um trabalho de pesquisa que se tornaria referência para quem quer entender os caminhos da produção musical no País ao longo do século 20. Foi o primeiro biógrafo de Villa-Lobos, por exemplo, assinando também livros sobre autores como Claudio Santoro e Francisco Mignone. E seguiram-se mais de 50 livros, em trajetória encerrada na manhã de sexta, 16, quando o musicólogo morreu, aos 96 anos, no Rio.

Mariz teve uma trajetória ímpar. Formou-se cantor lírico, mas também na Faculdade de Direito. Da academia, seguiu para carreira como diplomata, tornando-se embaixador e ocupando postos em países como Portugal, Argentina, Itália, Estados Unidos, Equador, Israel, Peru e a Alemanha Oriental. E precisou deixar o canto para trás.

“Procurei conciliar as duas carreiras; dei muitos recitais aqui e no exterior e só desisti após turnê de 8 concertos em 20 dias nos EUA, em 1952. Foi horrível repetir o mesmo recital, fazer os mesmos gestos, pegar o trem e correr para outra cidade, lutar com o acompanhador, com medo de me resfriar, etc. Saí-me bem e o empresário quis me contratar, mas disse-lhe que não: tinha uma boa carreira, família, duas filhas pequenas e não queria essa vida de andarilho musical. Não me arrependi. Cantei em público ainda uma vez em 1957, em Nápoles, no Teatro di San Carlo, o papel de Alvise Badoero na Gioconda. Fui aplaudido, mas a notícia chegou aos ouvidos do embaixador em Roma que me repreendeu: se fosse vaiado, era o Brasil vaiado, porque eu era o cônsul do País em Nápoles. Nunca mais”, contou ele em 2011 ao compositor Ricardo Tacuchian, em entrevista para a Revista Brasileira de Música, publicação da Escola de Música da UFRJ.

Se o canto ficou para trás, a ligação com a música continuaria, agora como pesquisador. Difícil assinalar, em mais de seis décadas de produção, as obras mais importantes. Mas é certo que trabalhos como A canção popular no Brasil, História da Música no Brasil e A música no Rio de Janeiro no tempo de D. João VI são referências incontornáveis pelo que se propõem, como afirmou o musicólogo André Cardoso, em texto no site Tutti Clássicos.

“Seu trabalho como musicólogo seguiu a trilha aberta por nomes como Renato Almeida e Luiz Heitor Correa de Azevedo. O primeiro prefaciou seu livro de estreia, o Dicionário Bio-Bibliográfico Musical, de 1948. No mesmo ano lançou, em Portugal, Figuras da Música Brasileira Contemporânea e A Canção de Câmara no Brasil. Já Luiz Heitor assinou o prefácio do pioneiro Heitor Villa-Lobos, Compositor Brasileiro, publicado em 1949 pelo Ministério das Relações Exteriores. Nas décadas seguintes, suas obras foram constantemente reeditadas, ampliadas e atualizadas. Em 1981, surgiu seu livro mais importante, História da Música no Brasil, também prefaciado por Luiz Heitor. É, sem dúvida, obra referencial, na qual desenvolveu uma visão de conjunto de nossas atividades musicais, desde o período colonial, sempre se valendo das muitas relações pessoais que estabeleceu com diferentes gerações de compositores brasileiros.”

Presidente da Academia Brasileira de Música, Cardoso informou na sexta que “Vasco, com sua grande capacidade de trabalho e força intelectual, continuou produzindo até poucos dias”. “Deixou pronta uma palestra que ia proferir na Antiga Sé do Rio dia 20, às 14 h, nas comemorações dos 250 anos de nascimento do padre José Maurício Nunes Garcia. O evento, sob a coordenação de Ricardo Tacuchian, está mantido e será uma forma de homenageá-lo por tudo que fez e representou para a música brasileira e para a própria ABM.”

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